O Entrudo
A origem do CARNAVAL remonta aos ritos romanos que subsistiram com o Cristianismo e abrangem todo um período de tempo imediatamente anterior à Quaresma. Vai do Dia de Reis até Quarta-feira de cinzas, sendo os de maior relevo os três dias que vão de Domingo-Gordo até terça-feira de Carnaval. Não tem data fixa, dependendo do tempo da Páscoa.
Com o Cristianismo também o Carnaval se difundiu pela Europa, havendo tempos em que foi de muita confusão, em especial na Idade Média em que nomeadamente os franceses o festejavam com muito vinho e muito sexo.
Em Portugal, os festejos de Carnaval chegaram a atingir muita violência, o que levou a algumas medidas restritivas. Entretanto, em MONTARGIL o ENTRUDO— esta a sua designação portuguesa— teve um certo cunho local, nomeada mente no tempo do “Pinta Santos”, um verdadeiro artista, pedreiro de profissão, e que se julgava ser dos lados do Ribatejo e do senhor Albertino, carpinteiro e natural de Galveias, ambos aqui radicados. Eram as “contradanças” e o” teatro de rua”
Quanto às primeiras, não conseguimos saber a origem das danças e das músicas, talvez da autoria doa organizadores. Quanto ao “ teatro de rua”, era um teatro cantado, género de opereta, com os artistas transportando os cenários e todo o material, e deslocando-se inclusivamente pelos diversos lugares da freguesia.
Também aqui não nos souberam dizer a origem dos textos, e registe-se que se trata de uma pesquisa de 1978, com alguns participantes ainda vivos, recordam-se no entanto que os textos se intitulavam O REI DA BAMBOCHADAS e OS SAPATEIROS.
Do primeiro dos textos, apenas a seguinte quadra:
Sou o rei das bambochadas
já não tenho prata nem ouro
.Em festas e fantochadas
gastei todo o meu tesouro
Todos os anos apresentavam títulos renovados.
Só participavam homens, já que às mulheres isso estava vedado.
Pelo Carnaval também era apresentado o BATUQUE e a DANÇA DO MASTRO. Esta, seria posteriormente apresentada, décadas depois, pelo “Café Arado” e uma ou duas vezes pela Ti Maria, de Vale de Vilão.
Nos campos trabalhava-se até Domingo Gordo, na véspera do qual o pessoal regressava a casa. Era talvez a época mais festejada de então, em especial no campo onde todos os dias se bailava e cada casa estava sempre posta para receber os amigos. Então, no Domingo Gordo, os pastores e os ajudas que todo o ano viviam na charneca vinham então à vila, e para de regresso fazerem a festa, compravam bichas, bombas e serpentinas.
Mais tarde, aí pelos anos 50/60, na vila deitavam-se as caqueiradas, um costume não muito bom, que sujava as casas de cacos e outras porcarias. Mas com a queima dos Amigos e depois das Amigas,-- que pouco se fazia--, a festa começava sempre a partira da quarta quinta-feira ,, e intensificava-se com a queima dos “Compadres” e das “Comadres”, que eram verdadeiras batalhas. Para queimar os “Compadres” as raparigas faziam-no de uma janela ou de um terraço alto, para que os rapazes não chegassem ao boneco, rapazes que no entanto e algumas vezes descobriam onde elas o tinham guardado, roubavam -no e davam voltas à rua com o mesmo. Por sua vez e para queimarem as “comadres”, os rapazes davam às ruas com a boneca a arder. Era então a vez de das janelas ser atirar água e por vezes urina, que é Carnaval não faz mal. Naturalmente que se condenava….
Também pelos anos 50/60, o grande acontecimento era à
quarta-feira de cinzas o “Enterro do Entrudo”. Muita gente acompanhava o boneco estendido numa padiola, e atrás a Banda de Música. À frente o “padre” e junto ao “corpo” seguia a “carpideira”.Era então enquanto se caminhava, que se ia lendo o testamento, o qual era sempre crítica social dirigida a figuras da terra.
Dizem-me que não eram ofensivas, mas a verdade é que este ciclo do “enterro”, terminou mal, já que alguém que vinha num carro, mesmo frente ao Posto da GNR pediu ao motorista que se atirasse para cima do pessoal. E eu que era muito novo e ia na Banda, na última fila, fui um dos que ficou sentado na frente do carro.
Claro que não foi uma medida para matar mas tão somente para meter medo , assim queremos acreditar, mas que foi altamente condenável e diz bem da liberdade existente na altura, e da estrutura moral dos mandantes.
O Entrudo é mesmo uma expressão cultural, e pode até ser folclore se respeitados os parâmetros que caracterizam este. Mas esta adenda deve-se ao facto de( só agora) sabermos que há setenta anos o Entrudo se festejava de maneira muito própria nos “montes” da nossa freguesia. O que é a confirmação da profunda ruralidade e Montargil.
Os “montes” de que me falaram, então muito habitados, eram o “Embarbês “ e a “Aldeia das Sebes”, sendo que para o primeiro convergiam gentes de Vale de Ruana, Morenos e Sagolga. Os divertimentos eram as “contradanças” e a queima dos “compadres” e das “comadres”.Nas “contradanças” em que participavam dos netos aos avós, usavam arcos, vestiam de igual e tinham coreografia . Era, diziam-me ,uma espécie das “marchas populares” de hoje. Na queima das comadres fazia-se uma procissão conduzindo o”boneco”numa padiola a servir de andor ,Na queima dos compadres invertiam-se os papeis e era uma procissão de mulheres.
Claro que no final, o “compadre” ou a “comadre” eram sempre queimados.
Juntavam-se, ao que dizem, mais de cinquenta pessoas.[/size]