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    MensagemAssunto: cronica de virgílio gomes   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeTer Nov 16, 2010 3:22 am


    Em colaboração com o sit
    Crónicas, Livros, Gastronomia...


    Para que servem os talheres?

    Virgilio Gomes

    Parece evidente, ou sem sentido, esta pergunta. Claro que todo a gente usa, hoje em dia, todos os talheres e os conhecem a quase todos. Isto porque há talheres muito específicos para certas iguarias e apenas utilizados em restaurantes especializados. Mas irei refletir sobre os talheres mais comuns e, mesmo esses, perturbam ainda alguns frequentadores de estabelecimentos de restauração.
    É fácil entender que a faca terá sido o primeiro instrumento a surgir. Depois terá chegado a colher, mas muito mais tarde e quase surgindo como um objeto sofisticado. Quanto tempo a distancia da utilização da faca? Segundo Pancracio Celdrán poderemos ter um milhão de anos de intervalo. E a colher no seu formato inicial assemelhar-se-ia a uma pequena escudela com cabo. Depois terá sido aperfeiçoada até ficar com uma forma atual. No início o cabo da colher seria pontiagudo e assim ajudar a segurar a partes sólidas da comida e desempenhar algumas funções do garfo.
    Apesar de terem sido encontradas colheres, em buscas arqueológicas, que datam do Neolítico, consta que terão sido os egípcios a difundir e generalizar a sua utilização. A colher transformou-se também em utensílio artístico, bastando ver a forma como alguns cabos foram esculpidos. Vamos encontrar colheres de ouro, prata e também em marfim, entre a civilização grega. Damos um salto até à Idade Média onde encontramos referências aos nossos talheres, ou instrumentos da mesa. As colheres faziam-se do osso, estanho, prata e ouro. E no capítulo ourivesaria vamos encontrar, até recentemente, as colheres de prata oferecidas aos recém-nascidos que no cabo teria como decoração o nome, ou imagem do santo a que correspondia no nome.
    Mas o instrumento que mais veio revolucionar a mesa foi o garfo. Apesar de seu uso recente, não se sabe fixar com exatidão a data do seu aparecimento. Se pensarmos no termo espanhol, tenedor, entendemos melhor, como este instrumento de cozinha chegou até à mesa. Sabemos, no entanto, que em escavações arqueológicas na Turquia asiática (Çatal-Huyuk) foram encontrados utensílios que se assemelham a garfos de cozinha, com pelo menos quatro mil anos. Certo é que será na cozinha que vão nascer os garfos, dada a necessidade de ter um instrumento para pegar ou segurar as peças de carnes. Por isso referi que o termo espanhol nos leva à sua primeira função. O pão serviria como o apoio para o corte individual e a ajuda para levar a comida à boca. Os garfos de cozinha teriam inicialmente dois dedos e depois três e só pelo XVII - XVIII terá aparecido o de quatro, à mesa.
    Consta que a utilização do garfo à mesa terá começado no século XI na Toscana, república rica de onde já emanavam modas nas artes, inclusive na comida. Tal moda, a de utilização do garfo para levar a comida à boca, levou a que a própria Igreja, sempre adversa a modas que ela própria não lançava, criticasse a sua utilização pois os dedos seriam os elementos recomendados para os alimentos dados por Deus! Sabemos ainda que foi o arcebispo de Cantuária que o levou para Inglaterra no século XII, durante o reinado de Henrique II. O garfo continuou como objeto de arte e alguns se produziram em ouro para constituírem ofertas de prestígio. O seu uso, no entanto, foi muito delicado, e até recusado em sociedade. O rei Filipe III de Espanha foi um grande impulsionador do seu uso existindo, nesse tempo, designações como “forquilha”, “bidente”, “tridente” ou “quadrilente”, nomes ajustados de acordo com o número de dentes que o garfo possuía. Mas a nossa vizinha Espanha surpreende-nos com um desenho de um garfo, possivelmente o primeiro, com a obra do Marquês de Villena “Arte Cisoria” de 1423. Parece que em Portugal a sua utilização em finais do século XVIII ainda era pouco habitual, mesmo na Corte. Segundo William Beckford o Confessor da Rainha D. Maria I e o Marquês de Marialva tinham alguma relutância em o usar, e apenas o faziam quando a Rainha lhes enviava um ar ameaçador.
    No século XIX vulgariza-se o uso do garfo. Mas até este tempo dispúnhamos de colheres em vários tamanhos e garfos de facas também. Nos finais deste século surge a grande novidade que é o talher de peixe: garfo e faca. Aparecem também no início do século XX um conjunto de instrumentos para além dos tradicionais colher, garfo e faca. Assim encontramos alicate e pinça para caracóis, alicates e diversas pinças para marisco, pinças para espargos, pinça para fondues, garfo para ostras, colheres para gelados, e outros mais. Acontece que estes utensílios apenas estavam disponíveis nos restaurantes de grande categoria, da mesma forma que os talheres nestes estabelecimentos seriam em prata ou prateados.
    O talher de peixe, inicialmente encontrado nos estabelecimentos de grande categoria, começou a vulgarizar-se a todos os tipos e categorias desde meados do século XX. E aqui vai a minha interrogação sobre a sua necessidade. Começo por informar que eu sou contra o talher de peixe, afirmando frequentemente que não serve para mais nada do que para embaraçar o serviço de mesa.
    Quantos de nós não assistimos já ao embaraço de muitos clientes não saberem que talher usar. Os profissionais sabem da lógica da sua colocação na mesa. E que basta utilizar de fora para dentro de acordo com os pratos e, portanto, na sequência lógica. Quantas vezes os empregados têm que repor talheres… Mas ao fazermos isto, estamos a criar constrangimentos ao cliente. E um cliente que se sinta embaraçado, muitas vezes não volta. E, com a falta de jovens que queiram seguir uma carreira “de mesa”, devemos aprender a simplificar para servir melhor.
    Mas expliquem-me os defensores: para que serve o talher de peixe? Vejamos, mesmo na nova cozinha, cada vez mais eu até só uso o garfo. Mesmo um peixe com uma cozedura unilateral, sobre a pele, esta sai melhor com uma faca de carne. E quantos de nós não assistimos ao disparo de uma batata torneada ao tentar cortá-la com uma faca de peixe? E ainda como farão os canhotos para comer com talher de peixe?
    Eu gostaria de organizar uma campanha contra os talheres de peixe. Já estou a ouvir os gritos de: absurdo, deselegante, pindérico… e outros adjetivos que me queiram dedicar. Afirmo que para os restaurantes o investimento é menor, a formação do pessoal é mais simples e muitas vezes os clientes agradecerão. Tenho a sorte de, em muitos restaurantes que já sabem desta minha posição, já nunca me colocarem talheres de peixe, e eu agradeço. E volto. Também voltarei a este assunto.
    Quando comecei esta crónica já sabia que iria acabar assim. Mas não se esqueçam que o importante é que a comida seja boa e saberá melhor acompanhada com vinho.
    © Virgílio Nogueiro Gomes[/font]
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    MensagemAssunto: ANO NOVO/NOVO ANO   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeDom Jan 02, 2011 2:52 am


    Crónicas
    de Virgílio Gomes



    Fim de Ano / Ano Novo
    2009


    É curioso ver como aceitamos muitas inovações e tão inconscientemente reprovamos outras. O Natal, e festejos associados, têm sido uma época de verdadeira revolução de espírito e tradições.
    Não sou tão velho, ainda, que deva lamuriar-me dos tempos passados. Mas lembro-me bem que o Natal, festividade de marca fortemente religiosa, era também, e essencialmente, a festa da Família, o regressar a Casa e o encontro de Amigos. Era um período tranquilo, ausência de gente nas ruas dia 24, excepto os movimentos para a Missa do Galo, e dia 25 as deslocações entre Famílias visitando-se uns aos outros. Não só no Natal mas este hábito regular de visitar a casa dos nossos parentes ou amigos está em perca continuada.
    Mas voltemos às tradições de Natal. Se apenas guardámos o jantar de Consoada com o Bacalhau cozido, do longo período de jejum que a Igreja impunha, rapidamente aceitámos a Peru que substituiu o famoso, e possivelmente mais saboroso, Capão de que Freamunde continua a manter como bandeira de qualidade gastronómica. O Peru é um produto recente que absorvemos com muita aceitação. Porque não se manteve a tradição imposta por vários gerações do peixe? Porque aceitámos tão bem o peru no lugar do capão? As respostas seriam longas…!
    Ainda miúdo, e a viver na gloriosa província, tínhamos vários rituais associados à celebração do Natal. Um dos mais divertidos, e que só mais tarde entendi, era “embebedar” o peru. Este era alimentado com farelo e ortigas migadas e no dia da matança forçado a beber várias doses de aguardente intervaladas com nozes inteiras que também à força lhe eram introduzidas na boca, fechando-lhe o bico, e que ele era obrigado a engolir inteiras. Depois o espectáculo da pequenada que era assistir aos passos trôpegos e cambaleantes do bicho. A morte só acontecia quando se pensava estar devidamente “anestesiado”.
    Quando refiro este trágico percurso para os prazeres da mesa, não pretendo incentivar a manutenção desta tradição, talvez muito localizada. Mas tem a ver com a evolução e a alteração de tradições e, neste caso, do abandono do nosso capão castrado ou eunuco como recentemente o Duarte Calvão o referenciou. De repente, talvez cinquenta ou cem anos, mudámos os hábitos. Claro que as mudanças enfrentam sempre resistências. Não quero mais citar o abandono do peixe, a que a Igreja nos obrigava, tendo ficado na História o famoso banquete que D. Sebastião ofereceu a seu tio, e Rei de Castela, no qual a grande surpresa foi a ementa constituída por peixe em cerca de uma trintena de variedades. Filipe II surpreendido elogiou o repasto dizendo: “Mi Sobriño es el Señor de los Mares”. Se calhar o tio já pensava em herdar esses mares...!
    Outro elemento que entrou rápido nas nossas tradições foi a batata. Ninguém hoje imagina o bacalhau sem estar associado na confecção ou acompanhamento, sem a batata. Até os ingénuos Pasteis ou Bolinhos de bacalhau que parece terem sempre sido componente dos nossos cardápios.
    Obviamente que naqueles tempos os endinheirados comeriam já carne abundantemente com a dispensa obtido com o pagamento de bulas.
    Há uma tradição que se mantém desde tempos medievais: a abastança de doces, inicialmente pouco doces e pouco variados, que depois do estabelecimento dos engenhos de açúcar no Brasil (1532), e a chegado de açúcar em quantidade a Portugal, se desenvolveu uma prática de criatividade que levou a sermos um exemplo de “virtude” gastronómica para o novo mundo. Portugal e a glória dos doces.
    Se atendermos também neste capítulo, verificamos a facilidade com que absorvemos o Bolo-Rei aparecido só em meados do século XIX, e hoje não se imagina esta época sem este famoso bolo. Certo que ele aparece num século de grandes mudanças na sociedade, as mentalidades em evolução, e o patrocínio régio muito terá influenciado ao seu consumo. Depois já apareceu o Bolo-Rainha (apenas com frutos secos) e o Bolo “esfrangalhado”, “escangalhado” e não sei quantos mais derivados.
    Na realidade o Natal, no século XXI, continua a ser uma festa de aproximação das famílias mas é sobretudo a festa do comércio. Parece que os desejos de Boas Festas fazem esquecer os males acontecidos e tantas vezes provocados. As ruas iluminadas são as ruas comerciais.
    Regressemos às tradições da mesa. Hoje com a globalização galopante estamos presentes ao aparecimento de novos produtos, quer dizer a presença de alimentos que tinham a sua época própria. Quando tinham o seu melhor sabor. Tristes morangos que nos pretendem servir logo acompanhados de açúcar o que significa que não são doces...
    A tradição do melão que aguentava até ao Ano Novo que se mantenha. E as uvas passas, e a pêra passa também.
    E os vinhos bons também. Tradicionalmente não escrevo sobre vinhos. Estou com a postura radical de cliente que é para quem se destinam os vinhos. No entanto a escrita sobre vinhos tornou-se tão elitista que eu próprio deixei de ler crónicas, críticas ou informações especializadas sobre vinho. A minha posição é muito radical. Provo um vinho, se me sabe bem, continuo a beber. Fui educado a aprender a beber vinho mas sempre com a máxima de que o vinho não serve para matar a sede. A sua função é ajudar a melhor o prazer da mesa e quantas vezes ajudar e reagir melhor à comida. E este texto para chegar à sugestão de um livro delicioso sobre o vinho. Melhor, como entender melhor o vinho com uma linguagem para o grande público, descomplicando os manuais de escrita difícil. Quero referir-me a “112 Conselhos para Perceber de Vinho” da autoria de Maria João de Almeida. Ilustre cronista de vinhos e reconhecida provadora e crítica, por quem me habituei a ter estima e admiração, escreveu este delicioso livro com um título bem elucidativo dos seus propósitos. 112 é o número de emergência médica, é também, através deste livro a emergência para resposta a tantas questões sobre o vinho. Só um grande conhecedor e inteligente consegue passar de uma escrita especializada para uma linguagem simples e para entendimento de todos. Este livro fez-me lembrar outro com o título “Não entendo nada de vinho, mas sei do que gosto”, de Simon Woods, escrito também para o grande público que é a grande massa consumidora de vinho.
    A propósito de livros, e esta época é delirante em relação aos títulos publicados, que parece que alguns editores não estão preocupados com os conteúdos mas as capas pré natal, surgiu outro que merece os meus aplausos. “Palavras do Olival”, de António Monteiro, é o melhor léxico, dicionário, tira dúvidas e dá ensinamentos sobre todas as questões do olival, da oliveira, da azeitona e do azeite. Ainda mais, envolve-nos em todas as questões culturais associadas àqueles termos e sobretudo acerca do azeite que é um dos produtos de que os portugueses se devem orgulhar e retomar em força o seu consumo. É portanto outro livro escrito em linguagem simples, própria de gente intelectualmente superior, que sendo especialista sabe dirigir-se ao grande público.
    Nesta época que acaba o ano 2008 surgiu um excelente trabalho editado em DVD. Trata-se de uma recolha fundamentada, e agora registada em “Os Gestos dos Sabores”. Fruto de vários anos de estudo conseguiram produzir este filme, doce, delicioso e importante para o futuro. Uma tentativa de não deixar perder algumas tradições. Porque os sabores também têm gestos. Da mesma forma que uma partitura tem várias interpretações também estas tradições atingem a mais alta confecção de acordo com o seu interprete, a sua doceira, o seu executor. Neste trabalho vamos encontrar os gestos de João Dias e as sua “Peras Passa”, Maria de Lurdes Gomes Diegues uma das últimas artistas de “Cuscus”, Francisco Matias Paulo e a reconstituição da receita de “Vila de Amêijoas”, Maria Fernanda Bispo com o “Cabrito Estornado”, Maria Catarina Murcho e os seus “Doces de Ovos” do Alentejo, Margarida Gomes especialista em “Bucho”, Maria Odete Farinha com “Maranhos”, Belmira do Carmo Branquinho com os surpreendentes “Lagartos” de Castelo de Vide, Maria Leonor Rodrigues e Maria Manuela Máximo com os saberes de “Pão-de-ló”, e Maria Antónia Aguiar com os “Bolos de Cabeça”. Como qualquer artista de cinema eis os artistas artesãos que permitiram registar os gestos que fazem a diferença. Apetece-me chamar-lhes poetas das artes culinárias. Com toda a justiça, e o aplauso que merecem, os mentores deste projecto são as ilustríssimas e grandes conhecedoras das tradições alimentares portuguesas: Maria de Lourdes Modesto, e Maria Proença, que no âmbito das actividades da associação cultural “As Idades dos Sabores”realizaram este trabalho.
    Já agora, quando começaremos a ver dióspiros nos restaurantes, ou marmelos aproveitados sem ser em marmelada?
    Aprendamos nós consumidores, e os empresários da restauração, a conservar o que há de melhor nas nossas tradições.
    BOM ANO de 2009
    BOM APETITE
    © Virgílio Nogueiro Gomes

    Actualizado em Sábado, 23 Maio 2009 17:43

    ( em parceria com o sit do Autor)

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    MensagemAssunto: MIGAS   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeDom Jan 02, 2011 2:57 am

    [size=24]
    Crónicas
    De Virgílio Gomes[/si


    M I G A S

    Na sequência das açordas, e conforme prometi no respectivo texto, vamos ver como o pão é um elemento fundamental na tradição alimentar portuguesa e que ajudou a criar um valioso receituário culinário.
    As açordas podem ser sopas, guarnições ou acompanhamentos, e pratos completos.
    As migas e as sopas de pão vamos tratá-las separadamente, sendo certo que o que levou à designação de sopas foram os caldos aos quais se adicionava pão. Escrever “sopas de pão” parece então um pleonasmo. As designações populares levam a estas distinções e provocadas, designadamente, por outros elementos que engrossaram os caldos como a castanha e posteriormente a batata. E já com os ditos populares aprendemos que: “Sopa sem pão nem no inferno dão”.
    As migas devem derivar do verbo migar que genericamente significa desfazer em migalhas ou esfarelar pão para o caldo.
    Segundo Maria de Lourdes Modesto, na sua Grande Enciclopédia da Cozinha, as migas são um “Prato típico português feito de pão amolecido, cozinhado depois numa gordura, geralmente de porco.” Continua a sua descrição informando que geralmente se junta a carne e o toucinho que deram origem àquela gordura. “Este prato, que é muito vulgar no Alentejo e nas Beiras, também se pode fazer com batatas; esta forma tem, contudo, menor valor gastronómico e menor número de apreciadores”.
    É curioso constatar que, de facto, as técnicas culinárias não se ajustam de igual modo a produtos distintos, independentemente da sua função semelhante. As migas são, de facto mais apreciadas as confeccionadas com pão.
    No Dicionário – Almanaque de Comes e Bebes da autoria de Cláudio Fornari, apresenta as migas como sendo uma “Sopa de pão típica de Portugal, especialmente do Algarve, Alentejo, Beira e Trás-os-Montes, onde existe uma centena de diferentes receitas. Basicamente é água, miolo de pão, azeite e sal, havendo contribuição variável de alho, toucinho, presunto, chouriço, pimenta, pimentão, ovos, carne de porco, louro, banha, queijo, ervas…;”.
    Maria Lúcia Gomensoro no seu Pequeno Dicionário de Gastronomia atribui a origem das migas a uma tradição espanhola de comer ao pequeno-almoço cubos de pão ensopados em leite, e depois fritos. Refere a autora que quando acompanhadas por carne frita se transformam em prato principal. Apresenta esta composição como especialidades de Aragão e outras da Andaluzia, e conhecidas desde a Idade Média. A autora refere ainda que migas são um “Prato típico do Alentejo, Trás-os-Montes e Beiras, é geralmente a transformação de pão numa massa, frita com gordura de porco e acrescida de carne ou peixe e temperos.”
    Noutra obra, Diccionario de Alimentación de Ginés Vivancos, as migas são definidas como pão seco, esmigalhado, ensopado em água ou leite e depois frito em azeite, toucinho ou manteiga. Se lhe é acrescentada carne ou outro elemento as migas chamam-se ilustradas. Apesar de o autor se referir à tradição espanhola complementa a sua informação escrevendo que as migas em Portugal são mais populares e variadas que em Espanha.
    Mas como terão nascido as migas? O que as separa das açordas? À primeira vista parece a forma de finalizar as migas, envolvendo-as na gordura. Mas, a sua origem? Possivelmente só nos aparecem depois das açordas e como consequência destas. As migas podem também aparece-nos como um prato de recurso pela necessidade de não desperdiçar pão. São as migas possivelmente um elemento da alimentação mais pobre e que o engenho transformou num prato/guarnição de elite apenas reconhecido a partir do século XX.
    Não será em si, pela técnica, que se pode definir a cozinha local ou regional, mas sim pelo hábito da sua repetição. A cozinha não é apenas a cozedura mas a forma de por em prática continuada uma receita. A receita não será somente a sucessão de procedimentos, ela é sobretudo a recolha e acréscimos de produtos e da vontade dos consumidores através dos tempos. As receitas de cozinha, mesmo da autêntica cozinha regional, são dinâmicas e tendem a evoluir. Demoravam cem anos a alterar? Talvez. Hoje a evolução é mais rápida.
    Por isso vamos encontrar uma variedade de migas em quase todas as cozinhas regionais portuguesas. Certo é que não encontramos essa designação nos manuais e primeiros livros de cozinha. Tanto em Domingos Rodrigues (1680), como em Lucas Rigaud (1780) até João da Mata (1876) o termo migas não é mencionado. No entanto, na Sopa de queijo, e lombo de porco ou de vaca, de Domingos Rodrigues, se lhe tirarmos a carne, temos umas migas pobres ou sem conduto.
    Surpreendente é verificar que Carlos Bento da Maia, no seu Tratado Completa de Cozinha e Copa (1904) apenas apresenta uma receita de migas mas que são doces, e obviamente confeccionadas com migalhas de pão.
    Curiosamente é com Olleboma, na sua Culinária Portuguesa (1936) que nos aparece a designação migas associada às Açorda ou migas de bacalhau e Açorda ou migas de Carne de Porco à Alentejana.
    Manuel Ferreira, com a sua Cozinha Ideal (1943), é verdadeiramente o primeiro livro de cozinha para profissionais do século XX, apenas nos indica uma receita de migas de feijão branco e utiliza o pão de milho, sem ficarem muito enxuto e também não terem muito caldo para não parecerem sopa.
    Parece consensual que dentro do capítulo das migas, há um receituário que parece por si só ser uma categoria que são as migas de bacalhau, que no Alentejo adquirem a designação de “gatas”. A tradição de fazer migas com peixe e designadamente de bacalhau deveu-se ao baixo preço que este gadídeo tinha. Acresce as regras religiosas que desde a Idade Média até ao século XVIII obrigavam a comer peixe em cerca de cento e trinta dias por ano.
    Como podemos então caracterizar as migas? São um produto culinário elaborado a partir de pão ensopado e depois terminada a sua confecção com uma gordura envolvente em processo de ligeira secagem. Depois temos todas as variantes que têm a ver primeiro com a variedade do pão, depois com a substituição do próprio pão pela batata, o acréscimo de temperos e outros componentes como grelos, feijão, espargos, couves, ovos, mioleira, bacalhau, e depois os acompanhamentos onde predomina a carne de porco frita e cuja gordura ajudou a terminar as migas. Também se fazem migas doces.
    O que deu origem às migas é efectivamente o pão, omnipresente, com uma tentativa de substituição pela batata, mas não conseguida. É ao pão que se deve o início da preparação de todas as receitas.
    Seria uma longa lista enumerar aqui a presença mas migas em todo o receituário regional português. Como curiosidade refiro que na inauguração da primeira Pousada de Portugal, em 19 de Abril de 1942, no almoço oficial, que se revestiu de acto político importante para a época, um dos pratos foi “Migas à Moda de Peroguarda”. Trata-se de migas bem alentejanas que levam ovos e mioleira. Lançou-se a partir deste almoço a moda das migas em restaurantes de elite?
    Quando este ano, em Julho, se elegeram as 7 maravilhas de Portugal, em simultâneo um grupo hoteleiro e de restauração (ao qual pertencem Chefes de Cozinha de prestígio) lançou, via net, um concurso para a eleição das 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa de que faziam parte as migas mas que não alcançaram votos suficientes para se elegerem nas 7 primeiras.
    As migas com as suas variantes podem agradar a todos os paladares. E para terminar apenas cito Aquilino Ribeiro: “Quem não tem paladar não tem carácter”.
    BOM APETITE
    (C) Virgilio Nogueiro Gomes

    ( em parceria com o site do Autor )

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    MensagemAssunto: AÇORDAS   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeDom Jan 02, 2011 3:05 am

    Crónicas
    de Virgílio Gomes



    Açordas


    Parece inquestionável que a açorda é uma dádiva da presença dos árabes pelas nossas terras. Parece também que a açorda é um prato de subsistência, provavelmente na sequência de crises alimentares. E a sua chegada até nós deve-se à sua facilidade de confecção e sobretudo à mistura simples de produtos de base. O pão foi sempre, e ainda é, um alimento estruturante da nossa alimentação.
    Quando analisamos as fontes, receituário, da presença árabe na península encontramos muitas sopas às quais se adicionava pão esfarelado ou cortado grosseiramente. Parece ser esta a origem das açordas. No entanto quase só na zona sul do país assumimos a designação açorda. Este termo nunca aparece associado às sopas de pão que ainda hoje se confeccionam nas Beiras ou Trás-os-Montes.
    E temos a grande variante da açorda, que já não é sopa, e que se transformou num prato de referência em Portugal. Ninguém abdica na zona costeira das variadas açordas de peixes e marisco.
    No tratado de cozinha árabe, Kitâb-al-tabîj, dos séculos X e XI, de autor anónimo, encontramos a primeira designação de açorda. Noutro tratado, de Ibn Abd al-Ra’uf, também se refere a açorda, com a designação de Tarid [thari] ou Tarida, em árabe, que quer dizer pão migado, ao qual se junta alho, coentros e água quente.
    Em consulta de dicionários de árabe encontramos ainda o termo Ath thurdâ, que significa sopa com pão.
    Mas é no século XIII que nos surge o mais famoso tratado da época. Trata-se da obra “Fudalat al-Khiwan…” escrito por Ibn Razin Tujibi entre 1238 e 1266, e cujo título eu traduzo, a partir do francês, para “As Delícias da Mesa e os Melhores Tipos de Comida”. Neste livro há um capítulo dedicado às Panades (sopas com pão) logo de seguida ao capítulo do pão. Encontramos 25 receitas de Panades maioritariamente enriquecidas com carnes desde o frango ao capão, passando pelo pombo e borrego ou pelo cordeiro. Também aparecem três receitas de leite que terminam sempre com açúcar e canela pelo que deveriam pertencem ao grupo da doçaria. Curioso é de notar que já existia uma receita de Panade afrodisíaca.
    Surpreendente é verificar, quando consultamos receituário contemporâneo dos países do Magrebe, não encontrar as famosas sopas com pão. Será pela alteração na fabricação do pão? E isto devido à influência francesa durante a primeira metade do século XX?
    Parece, no entanto, que será desta prática de sopas com pão que nasceram, e se transformaram, as nossas açordas.
    Como referi no início o pão, ainda hoje, é um elemento estruturante da nossa alimentação. E no passado o pão teria que ser consumido na sua totalidade pelo seu valor de apoio permanente ao consumo. A sua aplicação na sopa seria uma forma de utilizar o pão mais velho e mais seco. Seria a sua absorção integral.
    Encontramos em Gil Vicente possivelmente a primeira designação de açorda, na Farsa dos Almocreves: “Tendes uma voz tão gorda/ que parece alifante/ depois de farto de açorda”. E ainda não havia os actuais conceitos de estética do corpo, que hoje temos!
    Todos sabemos que as sopas eram pratos de importância e capazes de fazer uma refeição completa e o pão cumpria bem a missão de a fazer engrossar. A castanha tinha utilização regional e a batata ainda estava longe de aparecer.
    No primeiro livro de cozinha impresso em Portugal, de Domingos Rodrigues, “A Arte de Cozinha…”, em 1680, é feita uma clara distinção entre caldos e sopas, sendo que estas eram sempre confeccionadas com pão, ou este adicionado no final. Algumas vezes, e seria designação corrente, chamavam sopas às fatias de pão sobre as quais se colocavam produtos cozinhados especialmente carnes. Também Domingos Rodrigues nos apresenta três sopas doces, sempre com pão e açúcar e canela.
    No livro que em seguida se publicou em Portugal, de Lucas Rigaud, “Cozinheiro Moderno, ou Nova Arte de Cozinha…”, em 1780, e com uma preocupação mais elitista da cozinha e a tentativa de instalação da moda francesa, não deixa de referir várias sopas iniciando a confecção da maioria com a preparação do pão. É pois constante que a designação de sopa esteja sempre associada ao pão.
    Não encontrei a palavra açorda nestes nossos primeiros dois livros. Será que o termo estava destinado às confecções domésticas?
    Em 1876 publica João da Mata o seu “Arte de Cozinha” especialmente destinado aos profissionais. Encontramos aqui a açorda com bacalhau, uma sopa de pão à portuguesa e ainda outras sopas com pão. A açorda aqui receituada não é uma sopa mas uma açorda muito semelhante às que hoje encontramos. Este livro entra com facilidade no século XX e será o manual dos profissionais da época.
    Mas é com Carlos Bento da Maia, edição de 1904, com o título “Tratado Completo de Cozinha e Copa”, que as açordas aparecem como confecção culinária e ilustradas com onze receitas, e fazendo bem a separação das muitas sopas com pão. Estamos na época do aparecimento de restaurantes, e a cozinha regional começa a evidenciar-se. Continua a haver, no entanto, um espírito de copiar a cozinha francesa dado que apenas esta é assumida como alta cozinha.
    A presença da cozinha regional portuguesa, nos restaurantes, é assumidamente um acto positivo a partir dos anos 40. A imposição legal de nas Pousadas de Portugal, inauguradas a partir de 1942, ser obrigatoriamente servida cozinha regional, e projectadas como locais de elite, levou muitos restaurantes a seguir o seu exemplo. Em 1936 publica-se o livro “Culinária Portuguesa”, de António Maria de Oliveira Bello no qual é verdadeiramente feito o elogia e defesa da cozinha regional, onde são apresentadas sete receitas de açorda. Já mesmo autor tinha publicado no livro “Culinária”, 1928, uma receita de Açorda de Alhos à Portuguesa enquanto sopa à base de pão, sobre a qual se colocava ovos estrelados preparados à parte, ou ovos escalfados… Será a partir desta receita que nos aparece a “açorda à alentejana”, que enquanto açorda é a única sopa do nosso receituário regional?
    Em 1940 publica-se o livro “Volúpia” de Albino Forjaz de Sampaio, e na minha opinião o primeiro livro de gastronomia em Portugal. O autor na sua descrição do Portugal Gastronómico lá refere a açorda, e apresenta mesmo uma receita em verso do poeta José Inácio de Araújo: “Açorda Portuguesa”, que classificada de invenção portuguesa, alimento fortificante e capaz de ter derrotado os mouros.
    Mas qual é a realidade das açordas na cozinha portuguesa? Primeiro temos a açorda/sopa de que a Açorda Alentejana é o melhor exemplo. Depois a glorificação das açordas como prato completo e a imensa variedade de receituário desde o Douro, toda a costa atlântica com peixes e mariscos, da Beira ao Alentejo com o bacalhau, e o Alentejo com as carnes de porco e enchidos. Temos ainda o conceito de açorda como guarnição, ou complemento, de que saboreamos o excelente exemplo com sável e respectiva açorda de ovas. E teremos sempre açordas maravilhosas enquanto mantivermos a qualidade do nosso pão. Podem-se criar novas receitas, e mais inventivas. Pode molhar-se o pão com canja de galinha e misturar depois o marisco. O que não pode ser alterado é o nosso pão.
    Forçados seremos a alterar pequenos comportamentos de acabamento de algumas açordas, a exemplo da foto ilustrativa. O prazer de vermos misturar a gema de ovo crua não será mais possível por questões de segurança alimentar. Que pena!
    Quanto às sopas de pão estas serão tratadas em texto próximo.
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    MensagemAssunto: AÇORDAS   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeDom Jan 02, 2011 3:05 am


    Crónicas
    de Virgílio Gomes


    Açordas



    Parece inquestionável que a açorda é uma dádiva da presença dos árabes pelas nossas terras. Parece também que a açorda é um prato de subsistência, provavelmente na sequência de crises alimentares. E a sua chegada até nós deve-se à sua facilidade de confecção e sobretudo à mistura simples de produtos de base. O pão foi sempre, e ainda é, um alimento estruturante da nossa alimentação.
    Quando analisamos as fontes, receituário, da presença árabe na península encontramos muitas sopas às quais se adicionava pão esfarelado ou cortado grosseiramente. Parece ser esta a origem das açordas. No entanto quase só na zona sul do país assumimos a designação açorda. Este termo nunca aparece associado às sopas de pão que ainda hoje se confeccionam nas Beiras ou Trás-os-Montes.
    E temos a grande variante da açorda, que já não é sopa, e que se transformou num prato de referência em Portugal. Ninguém abdica na zona costeira das variadas açordas de peixes e marisco.
    No tratado de cozinha árabe, Kitâb-al-tabîj, dos séculos X e XI, de autor anónimo, encontramos a primeira designação de açorda. Noutro tratado, de Ibn Abd al-Ra’uf, também se refere a açorda, com a designação de Tarid [thari] ou Tarida, em árabe, que quer dizer pão migado, ao qual se junta alho, coentros e água quente.
    Em consulta de dicionários de árabe encontramos ainda o termo Ath thurdâ, que significa sopa com pão.
    Mas é no século XIII que nos surge o mais famoso tratado da época. Trata-se da obra “Fudalat al-Khiwan…” escrito por Ibn Razin Tujibi entre 1238 e 1266, e cujo título eu traduzo, a partir do francês, para “As Delícias da Mesa e os Melhores Tipos de Comida”. Neste livro há um capítulo dedicado às Panades (sopas com pão) logo de seguida ao capítulo do pão. Encontramos 25 receitas de Panades maioritariamente enriquecidas com carnes desde o frango ao capão, passando pelo pombo e borrego ou pelo cordeiro. Também aparecem três receitas de leite que terminam sempre com açúcar e canela pelo que deveriam pertencem ao grupo da doçaria. Curioso é de notar que já existia uma receita de Panade afrodisíaca.
    Surpreendente é verificar, quando consultamos receituário contemporâneo dos países do Magrebe, não encontrar as famosas sopas com pão. Será pela alteração na fabricação do pão? E isto devido à influência francesa durante a primeira metade do século XX?
    Parece, no entanto, que será desta prática de sopas com pão que nasceram, e se transformaram, as nossas açordas.
    Como referi no início o pão, ainda hoje, é um elemento estruturante da nossa alimentação. E no passado o pão teria que ser consumido na sua totalidade pelo seu valor de apoio permanente ao consumo. A sua aplicação na sopa seria uma forma de utilizar o pão mais velho e mais seco. Seria a sua absorção integral.
    Encontramos em Gil Vicente possivelmente a primeira designação de açorda, na Farsa dos Almocreves: “Tendes uma voz tão gorda/ que parece alifante/ depois de farto de açorda”. E ainda não havia os actuais conceitos de estética do corpo, que hoje temos!
    Todos sabemos que as sopas eram pratos de importância e capazes de fazer uma refeição completa e o pão cumpria bem a missão de a fazer engrossar. A castanha tinha utilização regional e a batata ainda estava longe de aparecer.
    No primeiro livro de cozinha impresso em Portugal, de Domingos Rodrigues, “A Arte de Cozinha…”, em 1680, é feita uma clara distinção entre caldos e sopas, sendo que estas eram sempre confeccionadas com pão, ou este adicionado no final. Algumas vezes, e seria designação corrente, chamavam sopas às fatias de pão sobre as quais se colocavam produtos cozinhados especialmente carnes. Também Domingos Rodrigues nos apresenta três sopas doces, sempre com pão e açúcar e canela.
    No livro que em seguida se publicou em Portugal, de Lucas Rigaud, “Cozinheiro Moderno, ou Nova Arte de Cozinha…”, em 1780, e com uma preocupação mais elitista da cozinha e a tentativa de instalação da moda francesa, não deixa de referir várias sopas iniciando a confecção da maioria com a preparação do pão. É pois constante que a designação de sopa esteja sempre associada ao pão.
    Não encontrei a palavra açorda nestes nossos primeiros dois livros. Será que o termo estava destinado às confecções domésticas?
    Em 1876 publica João da Mata o seu “Arte de Cozinha” especialmente destinado aos profissionais. Encontramos aqui a açorda com bacalhau, uma sopa de pão à portuguesa e ainda outras sopas com pão. A açorda aqui receituada não é uma sopa mas uma açorda muito semelhante às que hoje encontramos. Este livro entra com facilidade no século XX e será o manual dos profissionais da época.
    Mas é com Carlos Bento da Maia, edição de 1904, com o título “Tratado Completo de Cozinha e Copa”, que as açordas aparecem como confecção culinária e ilustradas com onze receitas, e fazendo bem a separação das muitas sopas com pão. Estamos na época do aparecimento de restaurantes, e a cozinha regional começa a evidenciar-se. Continua a haver, no entanto, um espírito de copiar a cozinha francesa dado que apenas esta é assumida como alta cozinha.
    A presença da cozinha regional portuguesa, nos restaurantes, é assumidamente um acto positivo a partir dos anos 40. A imposição legal de nas Pousadas de Portugal, inauguradas a partir de 1942, ser obrigatoriamente servida cozinha regional, e projectadas como locais de elite, levou muitos restaurantes a seguir o seu exemplo. Em 1936 publica-se o livro “Culinária Portuguesa”, de António Maria de Oliveira Bello no qual é verdadeiramente feito o elogia e defesa da cozinha regional, onde são apresentadas sete receitas de açorda. Já mesmo autor tinha publicado no livro “Culinária”, 1928, uma receita de Açorda de Alhos à Portuguesa enquanto sopa à base de pão, sobre a qual se colocava ovos estrelados preparados à parte, ou ovos escalfados… Será a partir desta receita que nos aparece a “açorda à alentejana”, que enquanto açorda é a única sopa do nosso receituário regional?
    Em 1940 publica-se o livro “Volúpia” de Albino Forjaz de Sampaio, e na minha opinião o primeiro livro de gastronomia em Portugal. O autor na sua descrição do Portugal Gastronómico lá refere a açorda, e apresenta mesmo uma receita em verso do poeta José Inácio de Araújo: “Açorda Portuguesa”, que classificada de invenção portuguesa, alimento fortificante e capaz de ter derrotado os mouros.
    Mas qual é a realidade das açordas na cozinha portuguesa? Primeiro temos a açorda/sopa de que a Açorda Alentejana é o melhor exemplo. Depois a glorificação das açordas como prato completo e a imensa variedade de receituário desde o Douro, toda a costa atlântica com peixes e mariscos, da Beira ao Alentejo com o bacalhau, e o Alentejo com as carnes de porco e enchidos. Temos ainda o conceito de açorda como guarnição, ou complemento, de que saboreamos o excelente exemplo com sável e respectiva açorda de ovas. E teremos sempre açordas maravilhosas enquanto mantivermos a qualidade do nosso pão. Podem-se criar novas receitas, e mais inventivas. Pode molhar-se o pão com canja de galinha e misturar depois o marisco. O que não pode ser alterado é o nosso pão.
    Forçados seremos a alterar pequenos comportamentos de acabamento de algumas açordas, a exemplo da foto ilustrativa. O prazer de vermos misturar a gema de ovo crua não será mais possível por questões de segurança alimentar. Que pena!
    Quanto às sopas de pão estas serão tratadas em texto próximo.
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    MensagemAssunto: virgilio gomes   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeSex Jan 28, 2011 10:45 pm

    Crónicas
    de Virgílio Gomes


    Escrever sobre a culinária estrangeira só se deve fazer por experiências locais. Sempre que escrevo sobre uma culinária estrangeira significa que estou, ou passei por lá. Apesar da Feijoada à Brasileira ser reivindicada por estados do Sul é no Nordeste que me encontro. Mas já provei várias, em todo o País, para poder comparar, ou aventurar-me a escrever sobre este ícone da cozinha brasileira. Começo já por afirmar que possivelmente não há uma Feijoada à Brasileira mas várias feijoadas. Faz-me lembrar o nosso Cozido à Portuguesa que não é único mas temos vários cozidos. Importante é a opinião de Paula Pinto e Silva apresenta no seu extraordinário livro “Farinha, Feijão e Carne-Seca” que descreve esta trilogia fundamental da alimentação brasileira e explica como os elementos foram integrados e se ligaram. Para começar transcrevo um poema de Sonia Rosa e publicado numa edição infantojuvenil para explicar, educando, a história da feijoada: “Nos tempos da escravidão/ quando a mesa era posta/ com primor e dor/ a negra escrava cozinhava/ uma forma de libertação/ Misturava na panela a sua história/ com a história do seu dono/ Eram brancos os seus senhores/ Eram negras as suas mãos/ Foram elas que ajudaram/ a criar com seus segredos africanos/ nossa cheirosa comida brasileira/ E foi mais ou menos desse jeito/ nessa mistura tão gostosa de cultura/ que a Feijoada nasceu/ E por isso que até hoje/ quem prova de uma Feijoada/ fica alegre de repente/ É que cada um encontra nela/ o sabor de sua gente…”. Ora este poema é um bom começo. Como terá começado o que hoje chamamos de “Feijoada à Brasileira”? Costuma-se atribuir o início da feijoada aos escravos que aproveitavam os restos da carne de porco, não nobres, que os seus patrões não comiam. Alguns dizem que este começo é uma lenda. Possivelmente os escravos comeriam feijão com fubá (habitualmente farinha fina de milho) ou farinha de mandioca ao qual poderiam juntar uns restos de carne seca. As referências à alimentação dos escravos parecem escassas mas encontramos viajantes estrangeiros que no século XIX passaram pelo Brasil. Já noutras ocasiões tive oportunidade de manifestar a importância dos escritores de viagens, naquele tempo. Uma visão exterior é sempre mais acutilante até pelo desconhecimento dos hábitos locais, e principalmente pelo desconhecimento de muitos produtos. A feijoada como hoje a conhecemos é naturalmente produto de uma evolução. Como escreveu Ivan Alves Filho “A feijoada é a etapa superior do feijão com arroz”, confirmando que não é a transformação de receituário luso/europeu. Como nós podemos constatar, temos muitos pratos de cozinha portuguesa que não tiveram influências externas, mas foram naturalmente evoluindo e séculos depois quase parecem pratos novos. A cozinha não é uma atividade estática, é dinâmica e pode é evoluir a velocidades diferentes.
    Segundo Walsh, inglês que em 1808 esteve no Rio de Janeiro, cita que o principal prato era o “feijão com toucinho e carne seca”. Refere ainda que acrescentavam farinha de mandioca e laranja à carne seca. Ora esta alimentação não era dos escravos. Curiosamente Jean-Baptiste Debret ainda no Rio de Janeiro, e no início do século XIX, descreve a alimentação que os familiares dos presos lhes levavam à cadeia e era constituída por “carne fresca, toucinho, carne seca, feijões pretos, laranjas e farinha de mandioca.” Tenhamos em atenção que esta descrição alimentar é provocada pelo espanto da “legislação… dispensar o governo da alimentação dos presos.” Relatos portugueses dessa época referem que “geralmente se sustentava o povo de feijão, toucinho, carne de porco, arroz e milho”. Mas para a história da Feijoada à Brasileira é importante fixar-se na história do feijão. E não de deve aceitar como a transformação da feijoada portuguesa para a brasileira apenas substituindo a qualidade do feijão. Muito antes dos portugueses ou espanhóis chegarem às Américas já aqui se produzia feijão há mais de seis mil anos. Inclusive em relatos portugueses de finais do século XVI consta que “há nesta terra muito arroz, fava e feijões.” Passado pouco tempo depois da independência o escritor Carl Seidler afirmava que “o feijão, principalmente o preto é prato nacional e predileto dos brasileiros.” Como em Portugal, no século XIX , ainda se manifestava a evidência de comer carne de porco para provar que não eram judeus ou muçulmanos, mesmo depois de já extinta Inquisição.
    Do feijão cozido com pouca carne, acompanhado com arroz, até chegarmos à atual Feijoada à Brasileira passaram-se dois ou três séculos. E poderemos aceitar que no período de evolução da feijoada possa ter havido alguma influência da cozida portuguesa, muito embora não seja essa influência determinante para o produto atual. Acredito mais na influência africana. E começa com a substituição do feijão para os feijões locais com fixação no preto. Gilberto Freyre, em contrapartida afirma que foi a influência da cozinha gorda dos mosteiros portugueses… Talvez tenho algumas dúvidas. Certo é que a Feijoada à Brasileira se transformou num emblema nacional, entrando pelas artes da poesia e do canto.
    Estarei mais de acordo com Josimar Melo quando afirma: “Há certo folclore em querer situar a feijoada como um legado da miséria dos escravos, que hipoteticamente teriam criado o prato com o feijão, abundante e barato, e os restos das carnes de porco rejeitado pelos senhores da casa-grande. Isso explicaria que na feijoada compareçam itens como orelha, rabo, língua de porco e carne-seca bovina. Mas quem é que disse que a tradição dos senhores de terra, herdeiros da cultura portuguesa, mandava rejeitar as partes menos nobres do porco? Não é o que acontece até hoje na Europa, onde, pelo contrário, há grande apreço pelo sabor dos miúdos e de tudo o que seja alimento proveniente dos animais.”
    Eu sei que me meti em grande aventura ao escrever esta crónica. E foi provocada por uma feijoada que comi recentemente e que me fez lembrar outras, bem melhores, que comi no Rio de Janeiro e especialmente em São Paulo, cidade da qual guardo as melhores lembranças gastronómicas. E a feijoada merece um texto mais longo do que aquele de que disponho neste momento. E ainda quero afirmar que a feijoada se transformou num motivo convivial tão arredado das vidas modernas.
    Mas como se faz hoje a feijoada? Há muitas receitas. Sem quer apresentar a melhor, irei explicar os modos de confeção. Para isso é necessário feijão preto, carne seca bovina, lombo de porco salgado, costelas de porco salgado, pezinhos de porco salgado, linguiça de porco, paio, toucinho fumado, louro, cebolas, alhos e couve. De vésperas lavam-se bem as carnes e deixam-se de molho. Limpa-se também o feijão e coloca-se de molho em recipiente separado. No dia seguinte coze-se rapidamente o feijão com o louro e juntam-se as carnes (escorridas) começando pela carne seca e pezinhos, que demoram mais a cozer, e depois juntam-se as restantes carnes. Por vezes frita-se previamente a linguiça e junta-se depois. À medida que as carnes vão ficando cozidas, partem-se em pedaços e voltam para a panela de cozer. Se optar por fritar a linguiça, toucinho ou bacon, ou outros enchidos reserve a gordura de fritura para fazer transpirar as cebolas picadas e os alhos esmagados. Junte-lhes um pouco do feijão já cozido e esmague até obter uma massa e junte à panela da feijoada. Não esqueça de ir provando a feijoada para que não fique salgada. Para a montagem de serviço deverá colocar as carnes em travessa separada do feijão com os enchidos, acompanhar com arroz branco solto, a couve cortada fininha e passada por gordura quente, um molho picante e laranjas cortadas às rodelas ou gomos. Depois há uma enormidade de receitas e ingredientes conforme as regiões. Encontrei uma receita da qual vou apenas referir os ingredientes e os acompanhamentos: feijão preto, carne seca bovina, costelas de porco salgadas ou fumadas, pé de porco salgado, rabo de porco salgado, lombo de porco fumado, paio, linguiça portuguesa, língua de porco fumada, bacon, cebola, alho, louro, sumo de laranja e vodka ou aguardente. Para acompanhamento vejamos: arroz branco, bolinho de arroz com gengibre, couve à mineira, mandioca frita, mandioca cozida, banana à milanesa, linguiça calabresa frita, bacon torradinho, torresmo, bisteca de porco grelhada, leitoa à passarinho pururuca, farinha de mandioca torrada, molho de feijão apimentado, farofa, molho de pimenta, quibebe, carne seca refogada, farofa de carne seca, pãezinhos de inhame, cebola fatiada dourada, puré de abóbora japonesa cozida em leite de coco e laranjas cortadas aos gomos!!! Além do exagero talvez um pouco de falta de nacionalismo.
    Para terminar, não esqueçam que um bom vinho completa o casamento com a feijoada.
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    MensagemAssunto: O CABRITO   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeQua maio 11, 2011 2:30 pm



    Cabrito

    Crónica
    de Virgilio Gomes

    Podemos bem dizer que o cabrito é uma carne de festas, sendo a principal a Páscoa. Domingo de Páscoa significa o retomar da alimentação a um ritmo normal, terminado o jejum que os católicos se impõem durante a Quaresma, desde quarta-feira de Cinzas que a prática obrigava a comer peixe durante os quarenta dias que separavam o Carnaval da Páscoa. Depois passou o jejum a ser obrigatório apenas às sextas-feiras e esta tradição mantém-se ainda em alguns países, quase ritualizado, fazer uma refeição de peixe nestes dias. Mas o cabrito não é só da Páscoa. É também dos casamentos de interior, e de todas as outras festas. Na linha do Cabrito encontramos confeções e tradições de consumo muito próximas do Borrego ou do Carneiro, a família dos caprinos, sobre os quais não escreverei desta vez por falta de espaço. Da Bíblia (Novo Testamento), encontramos um “Cabrito com Cominhos”. Já na Antiga Roma o cabrito é referido na alimentação, apesar de em menor número que o porco ou o leitão que eram os produtos de grande referência e obrigatórios em banquetes. Possivelmente o cabrito não participava em banquetes pelo facto de ser um alimento de sacrifício de dedicação aos deuses. No entanto encontramos várias receitas no primeiro livro de receitas de Apício, oito no total e sempre em paralelo para cabrito ou borrego. Muito curiosas são as receitas apresentadas por Ibn Razin al-Tugibi, mais recentes (1227-1293) com quarenta e seis para ovinos, dezasseis para cordeiro e apenas uma para cabrito.
    O “Cabrito Assado” é o que eu considero um verdadeiro ícone da gastronomia nacional, constando de receituário do norte ao sul do país. Mas para orgulho nacional na confeção dos nossos pratos deveríamos ter o hábito de adquirir “produtos qualificados” e para o cabrito já encontramos: Cabrito da Beira IGP, Cabrito da Gralheira IGP, Cabrito das Terras do Alto Minho IGP, Cabrito de Barroso IGP, Cabrito do Alentejo IG e Cabrito Transmontano DOP. O cabrito é habitualmente morto até um mês e meio de vida tendo sido praticamente alimentado apenas pelo leite materno daí que a sua carne seja tenra e de cor rosada.
    Mas vamos ver como o encontramos confecionado. Os puristas afirmam que para apreciar a sua qualidade, o cabrito deve ser grelhado. Grelhado encontramos na Beira Alta, simples com sal e borrifado de azeite, vinagre, sal e pimenta, com a ajuda de um raminho de salsa. Ainda no Minho e Trás-os-Montes o encontramos grelhado sendo que por vezes é adicionado colorau ao tempero. No entanto é assado a forma como mais o vamos encontrar nas diferentes confeções regionais. E começamos pelo Minho. O cabrito é deixado de véspera barrado por uma massa feita com cebola picada, alho esmagado, salsa picada, vinagre, colorau, pimenta e sal grosso. No dia seguinte e antes de ir ao forno dão-se pequenos golpes onde são colocadas fatias de toucinho cortadas fininhas. Barra-se agora o cabrito com banha de porco e vai ao forno assar inteiro. É acompanhado por um arroz feito com os miúdos do cabrito, presunto, chouriço e também com açafrão. Já em Trás-os-Montes, embora recheado também é assado. Se prepara uma massa com alho esmagado, sal, pimenta, colorau e louro. Barra-se o cabrito e é colocado em tabuleiro para ser regado por vinho branco e depois fica de adobe de véspera. Prepara-se o recheio com batatas cortadas aos cubinhos, azeitonas, pedaços de presunto entremeado, salpicão às rodelas, pimenta, cravinho da índia e banha de porco. Recheia-se o cabrito e coze-se a barriga com linha. Coloca-se no espeto e vai assar em lume brando e vai-se regando com azeite. Depois de assado e trinchado o seu acompanhamento é o recheio. Ainda para não sair de Trás-os-Montes temos a invulgar receita da Serra de Montezinho. O cabrito é completamente pelado e prepara-se uma massa com banha de porco, alhos esmagados, sal e colorau picante. Barra-se bem o cabrito por dentro e por fora. Entretanto em cova aberta na terra queima-se um pouco de lenha. Quando a lenha estiver ardida retiram-se as cinzas e a cabrito já está completamente embrulhado em couves e bem atado. Coloca-se o cabrito na cova e sobre o cabrito umas lajes de pedras finas, habitualmente xisto, sobre as quais se coloca nova lenha e vai arder até ao fim. Quando terminar o fogo, o cabrito está assado. Mas recheado ainda temos uma receita especial de Barril de Alva, que recheia o cabrito com um picado feito com os miúdos do cabrito. Depois assa no forno e acompanha-se com salada de agriões. Assado encontramos ainda na Beira Alta, Ribatejo e Alentejo. Assado à Moda de Leitão também encontramos à volta de Coimbra. Mas no Ribatejo vamos encontrar Cabrito Frito. Depois de ficar a marinar algumas horas, usam-se especialmente pernas e mãos, em vinho branco, alhos esmagados, louro, sal, pimenta e limão, escorem-se e passam-se por farinha para fritar em azeite bem quente. À medida que a carne fique frita retira-se até que todos os pedaços estejam fritos. Volta-se a colocar os pedaços de cabrito no azeite ao qual se junta a marinada e fica a ferver um pouco juntando um ramo de salsa. Acompanha-se com batatas assadas nas brasas. Receitas mais isoladas encontramos ainda o “Cabrito Ensopado”, especialidade de Fornos de Algodres. Apenas com o espinhaço do cabrito, faz-se um refogado com banha de porco e cebola, adiciona-se tomate e picante, e rega-se com vinho branco. Depois de cozido e partido em pedaços deita-se sobre fatias de pão duro. Mas a receita que mais precisa de divulgação, para não se perder, é o “Cabrito Estonado” da Beira Baixa, cuja receita e demonstração se encontra perfeitamente ilustrada no DVD “Os Gestos dos Sabores” produzido pela Associação para o Estudo e Promoção das Artes Culinárias. No Minho ainda encontramos algumas versões de “Caldeirada de Cabrito” em especial da Serra D’ Arga. Depois o Cabrito Montez do Gerês, e a famoso arroz de forno que recebe os pingos da assadura do cabrito.
    Vamos encontrar em terras de língua lusa como em Angola uma famosa receita de “Caldeirada de Cabrito” que, quando este não se encontrava, se poderia substituir por impala. Ainda “Cabrito Assado” e “Cabrito com Inhame”, em Cabo Verde.
    Mas por favor, nos estabelecimentos de restauração, quando não for cabrito não lhe chamem tal. Invoquem os seus antepassados. De “cabritinhos de leite” guardo de boa memória e salivando, os do Torres em Vila Verde ou do Geadas em Bragança.
    Queria ainda ironizar sobre algumas expressões populares como “ andar ao cabrito”. Nunca entendi a ligação. A expressão talvez se deva, pelos prazeres implícitos, associarem a tenra carne do cabrito por gostosa, e delicada.
    Não esqueçam, um bom vinho ajuda o cabrito a saber melhor.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
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    MensagemAssunto: fruta da época   cronica de virgílio gomes Icon_minitimeQua maio 11, 2011 9:14 pm



    Fruta da Época

    Crónica
    de Virgílio Gomes

    A maioria dos restaurantes portugueses apresenta invariavelmente, depois dos doces, a sugestão de “Frutas da Época” e depois algumas frutas “tropicais”. Mas a maioria dos clientes não come fruta, com pena para a saúde deles. Mas muitos por constrangimento de descascar a fruta com talheres ou o próprio receio de comer a fruta à mão, e que sabe muito bem. Apesar da menção “Fruta da Época” se manter, quem já inventariou as alterações conforme a época? Nas frutas da época aparece sempre a maçã (fruto simbolizando a queda do Homem pela proibição do seu consumo no Paraíso, ou por estar associada à beleza feminina), a laranja, a banana (sem ser a da Madeira), o “renascido” kiwi e o ananás. Independentemente da época. Acontece que com a melhoria dos transportes é possível hoje em dia receber todo o tipo de fruta de qualquer parte do mundo. Consequências da globalização no seu capítulo menos interessante. Mas essa fruta, para poder sujeitar-se ao transporte é, muitas vezes, colhida antes do seu amadurecimento completo. Por isso quantas vezes vem, logo atrás da fruta, o inevitável açúcar. Dever-se-ia criar uma regra de “recusa” de fruta quando esta necessita do suplemento para lhe conferir o sabor adocicado que naturalmente deveria ter. Segundo Silvia Malaguzzi, as frutas estão associadas ao “prazer do corpo, alimento do espírito”.
    Quando me refiro à “fruta da época” relembro sempre que se deve comer a fruta produzida em Portugal rigorosamente de acordo com o ciclo da Natureza e ao qual, pelo menos os da minha geração e anteriores, fomos habituados. Está a chegar a época da cereja, fruto de representação muito antiga e simbolizando por vezes a Paixão de Cristo, fruto paradisíaco e muito apresentado em pinturas antigas. Atrativa, fácil de servir sem manuseamentos de retaguarda, apetece perguntar quantos restaurantes já previram rentabilizar esta “sobremesa”. Em períodos chamados de “crise” há muitas vezes oportunidade de refletir melhor a oferta e valorizá-la. Depois virá o morango nacional, muitas vezes pequenino mas muito mais saboroso. E quando está bem maduro o seu sumo, ou apenas golpeado, deixa marcas. E depois há uma coleção de frutos que são nossos como nêsperas, dióspiros, ameixas, pêssegos, uvas, romãs, amoras, peras, figos e tangerinas que raramente nos são sugeridos. E para os clientes mais difíceis, ou apenas constrangidos por não saberem descascar a fruta, ou um pouco de vergonha em comê-la à mão, há sempre soluções fáceis para provocar a sua venda.
    Não me vou alongar em soluções para a cereja e morango. São possivelmente os frutos mais fáceis. As nêsperas podem ser servidas como as cerejas em taça com algumas pedras de gelo e comem-se à mão. Quanto aos dióspiros é mais delicado. É uma fruta com sabor mais delicado. Para servir, e quando estão muito maduros, podem o dióspiro ser colocado em chávena de chá ou taça a consommé, com o bico colocado virado para baixo, retira-se o pé e come-se com colher de chá a partir da abertura superior. Fáceis são as ameixas que podem ser servidas como as cerejas e também se devem comer à mão. Os pêssegos já são mais complicados pois a maioria dos clientes não costumas comer-lhes a pele. Neste caso na retaguarda e com faca de lâmina fina retira-se a pele e pode servir diretamente ou aos gomos eliminando o caroço. Os figos lá vão aparecendo mais como entrada acompanhados por fatias de presunto, mas raramente como sobremesa. Também podem ser pelados e servidos empratados. Os figos têm marcas fortes na história e na iconografia. Estão associados ao fruto do conhecimento, fecundidade e representa a doçura da virtude. Mas já a romã não me lembro de ver apresentada como sobremesa, raramente como suplemento em saladas e ligeiramente em pastelaria empratada. Talvez porque seja difícil de ser pelada ou extraída do seu invólucro. Uma vez em Istambul, e surpreendido com a quantidade de grandes taças de grãos de romã logo ao pequeno-almoço, perguntei como faziam abrir as romãs e ter tantos grãos. Simpaticamente levaram-me até à cozinha e fiquei surpreendido com a velocidade da operação. E sugerem-me que experimente: corta-se a romã a meio (deixando o pé voltado para cima) com uma faca de lâmina fina, depois coloca-se a meia romã com a face cortada voltada para a palma da mão e com o cabo da faca dão-se pancadas na pele da romã e os grãos vão caindo facilmente. A romã foi sempre um fruto muito representado na pintura desde os murais romanos às elegantes naturezas mortas da Renascença. Na sua origem mitológica o seu significado está associado a símbolo de fertilidade. Na era cristã transforma-se quase em alegoria da Igreja que acolhe no seu interior todos os seus fiéis. Ainda temos as uvas, fruto de máxima importância para a excelência dos nossos vinhos, e que também pode vir à mesa para terminar a refeição. Em miúdo, muitas vezes ao lanche comíamos um belo cacho de uvas e uma fatia de pão de mistura. A uva está sempre associada ao outono, simboliza a paixão de Cristo e sempre indispensável na arte da pintura.
    Bem falta escrever ainda sobre muitas frutas como o melão ( que em minha casa se guardava os de casca de carvalho suspensos até à Passagem de Ano), a melancia (de que bebi uma vez na Índia um sumo inesquecível), a laranja ( que é uma fruta de inverno)e os frutos tropicais que vão aparecendo na restauração: manga, papaia e maracujá. Há ainda um pequeno fruto bem aproveitado no Açores Phisalis (de capote) e que aqui vai aparecendo a enfeitar algumas sobremesas.
    Quanto ao Brasil, paraíso de frutas, é difícil estabelecer nalgumas regiões o que são frutas da época em consequência do clima, maravilhoso e que faz explodir a natureza em pujança de beleza e sabores. Já identifiquei as seguintes frutas que encontro nos seus mercados: acerola, ata ou pinha, atemoia, cajarana, caju, goiaba verde e madura, graviola, jaca, jenipapo, mamão (Formosa, Hawai, Coité, Rosa e Tamaraka), maracujá, murici, pitomba, sapoti, seriguela, umbu-cajá… e decerto ainda outras mais para descobrir.
    Comam fruta pela vossa saúde, antes, durante ou depois da refeição. E recusem a fruta nacional que necessita de açúcar.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    Maio 2011
    Actualizado em Domingo, 08 Maio 2011 20:53

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