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     CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES

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    linomendes




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    MensagemAssunto: CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeSáb Set 03, 2011 3:39 pm

    Crónicas
    de Virgílio Gomes
    Photobucket

    Não vou contar histórias de pecadores suplicantes, nem de pedidos desesperados ao Divino. As súplicas sobre as quais vou escrever são as mesmas que Manuel Mendes, no seu livro “Os Ofícios”,cita no capítulo do doce açúcar, e que acha assim se chamarem por lembrarem “dores de paixão” ou inventadas por sofrimento de amor. São também as mesmas que Inês Pedrosa cita no prefácio do meu livro “Transmontanices”. E ainda as mesmas que Maria de Lourdes Modesto apresenta na doçaria transmontana do seu livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”. E, especialmente, são as súplicas que encontrei na receita do caderno de minha Mãe, que recentemente chegou até mim, como referi em crónicas anteriores. Mas a vontade de escrever sobre súplicas vem provocada pela memória e saudades das súplicas da minha infância, e depois pelo prolongamento da vida e suas recordações. Em minha casa faziam-se súplicas mas, muitas vezes, eram encomendadas à Senhora Catarina, que vivia nos Batoques em Bragança, e que eu e a minha irmã Lina íamos levantar. Claro que pelo caminho a quantidade ia-se diminuindo tanto pela gulodice, como pela circunstância do passeio. Quantas vezes chegámos a casa com apenas pouco mais de metade da encomenda!

    As súplicas incluem-se no grupo de doçaria popular que tenho vindo a defender e divulgar. Este é dos doces que ainda é muito fácil de encontrar, em especial no nordeste transmontano. Já quase não se veem é as vendeiras que apareciam nas feiras, e romarias, com belos cestos cobertos por panos de linho, uns com bordados, outros com rendas.

    A sua receita parece simples. Pega-se na mesma quantidade de farinha e açúcar e oito ovos para cada meio quilo daqueles produtos. Primeiro juntam-se os ovos com o açúcar e batem-se muito bem, sem ter a preocupação de criar bolhas. Este batimento regular nunca deve ser inferior a quarenta e cinco minutos, até uma hora. Depende do vigor do executante. Ora é esta operação o delicado desta receita. E o seu segredo. Não é difícil o corajoso “suspirar” que este batimento chegue ao fim. Depois vai-se adicionando farinha, pouco a pouco, até que esteja toda bem incorporada e se sinta uma massa bem homogénea. Depois de untar um tabuleiro com manteiga coloca-se, com a ajuda de uma colher, a nossa massa, às colheradas individuais, deixando um grande intervalo pois as súplicas podem atingir cerca de oito centímetros. Saídas do fornos polvilham-se com açúcar em pó.

    Raramente as súplicas tinham tempo de secar em minha casa pois a lambarice não o permitia. Quando acontecia, levavam-se com uma grelha ao borralho da lareira, e quando amoleciam, juntava-se um pouco de geleia de marmelo… e era de lamber os dedos.

    Esta receita é, por vezes, atribuída ao Mosteiro de São Mamede do Lorvão. Este mosteiro ganhou grande prestígio depois de nele ter ingressado uma filha de D. Sancho I. Curiosamente aparece uma receita de “Suplicos” no livro de “Receitas da casa do mosteiro de Landim”, dando-lhe a sua origem a Vila Nova de Famalicão, à Pastelaria Bezerra. A mesma receita também se encontra em Vila Nova de Foscôa e, a exemplo do nordeste transmontano, também é considerada como um doce popular. Independentemente da sua possível origem conventual, este doce desenvolveu-se e integrou a tradição popular regional. De um doce de festas, feiras e romarias, transformou-se, felizmente, num doce do quotidiano.
    Mãos à obra, ou aos dentes.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    Setembro 2011
    (em parceria com o site do Autor )
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    linomendes




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    MensagemAssunto: V GOMES   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeSeg Set 12, 2011 5:48 pm

    CRÓNICAS
    de VIRGÍLIO GOMES

    Sexta, 09 Setembro 2011 17:38 Photobucket

    Os ciclos da Natureza têm um encanto que desperdiçamos. E o ciclo das uvas é um dos mais marcantes e do qual nos habituámos ao seu produto final que é o vinho. Nunca podemos esquecer que dentro de uma garrafa de vinho estão concentradas gerações de cultura, que vão desde o plantio ao aperfeiçoamento daquele líquido precioso. Hoje parece tudo fácil. Basta ir a uma loja e comprar.
    As uvas eram de consumo corrente na Antiguidade, tanto gregos como romanos, quer frescas, quer secas. Ainda se podem apreciar em algumas pinturas murais desse tempo. O seu consumo continua até à Idade Média e Renascença sendo sempre presente como elemento decorativo nas mesas e depois seriam consumidas com os pratos. Talvez por isso sejam tão representadas em naturezas mortas do século XVI ao século XIX.
    Se pensarmos na religião católica, a uva e o vinho estão presentes em muitos textos. Se a uva simboliza a chegada do outono e na escrita de Filippo Picinelli a uva significa a providência, o vinho representa a própria Paixão de Cristo. Todas as religiões se referem ao vinho com regras e simbolismos. Se no Mediterrâneo norte a uva e o vinho fazem parte da trilogia da dieta mediterrânica, no sul a uva fresca e seca é utilizada na alimentação, o vinho é absolutamente interdito. A uva é considerada uma fruta importante na alimentação e é muitas vezes apresentada como elemento remineralizante, diurético, depurativo e energético. Parece também reduzir a fadiga e limpar o organismo de toxinas.
    Eu fui educado na província o que me deu uma visão diferente destes produtos. Assisti à plantação de vinha, às suas podas, às necessidades de sulfatagem, às vindimas e à preparação do vinho. Em minha casa também se fazia vinho, apenas para consumo doméstico, um vinho de que ainda hoje me lembro: vinho de bica aberta. E fui educado com o princípio de que o vinho não serve para matar a sede mas para que a comida nos saiba melhor. E ainda hoje continuo com essa prática. Antes das vindimas ainda nos presenteávamos com uvas à sobremesa e com pão ao lanche. Havia o cuidado de colocar no sótão algumas uvas penduradas, para secar, e garantir que chegavam à festa de Passagem de Ano. Naturalmente que algumas se iam perdendo para confecionar alguns doces e outras eram alvo das nossas rapinices.
    Não há um receituário nacional de culinária com uvas. Surgem quase acidentais, num receituário rico, no qual as uvas aparecem como reflexo de uma “cozinha de autor” doméstica. Temos, isso sim, um receituário associado às refeições para quem trabalhava nas vindimas. Por isso se desenvolveu o consumo de sardinhas no Douro que em meados do século passado chegavam em barricas. Ainda também umas tachadas de um bacalhau guisado que lhe chamavam “à espanhola”, e que não passava de uma caldeirada de bacalhau com batatas. E depois, naturalmente, muitas receitas nas quais o vinho tem um papel determinante. Lembro-me de que, quando um vinho não tinha qualidade, se dizia que servia para a cozinha. Ainda bem que essa prática quase acabou. Um mau vinho dará uma má execução culinária. Hoje em dia vê-se, felizmente, a preocupação de eleger um vinho nobre para um prato com mais dignidade, e melhor paladar. Eu continuo a pensar que a função mais alta do vinho é ajudar, e completar uma refeição. Acompanhar a comida com vinho vai-nos saber sempre melhor.
    O vinho deu o nome a confeções como “em vinha d’ alhos”, no coelho no Alentejo, e carne de porco na Beira Alta ou na Madeira. O vinho é elemento de cozedura na “chanfana”, e na famosa “perdiz à moda do Convento de Alcântara”. E já lá vão muito esquecidas as “sopas de cavalo cansado”.
    De Alain Ducasse, no seu “Dictionnaire amoureux de la cuisine”, traduzo livremente a seguinte frase: “Como todos os alimentos, sejam sólidos ou líquidos, os vinhos são, como as verduras, os queijos ou as aves, a expressão direta e imediata de um torrão (terra) ”.
    De Azinhal Abelho (1911-1979), poeta alentejano, descrevendo Portugal: “Pão com olhos, queijo sem olhos e vinho que salte aos olhos.”
    O vinho tem sido vítima de campanhas por vezes injustas. Ninguém acusa os destilados e mais bebidas com grande presença de álcool. Bebam vinho a acompahar a refeição que a comida saberá melhor.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    (Com a colaboração do sit do autor)
    Julho 2011
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    lino mendes
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    MensagemAssunto: PASTEIS DE NATA   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeDom Nov 06, 2011 12:14 am




    Crónicas
    de Virgílio Gomes

    PASTEIS DE NATA


    Sexta, 04 Novembro 2011 10:22

    Nunca se escreveu tudo sobre os Pastéis de nata, nem vou eu, ainda, fazê-lo. É todavia sempre um prazer comer um pastel de nata. Pensava eu escrever sobre as características dos pastéis e como habitualmente se degustam em provas. Quanto a esta questão, no consumo por prazer, cada um deve fazê-lo da forma que mais gostar.
    As origens do pastel de nata causam-me mais inquietações. Apesar de aparecer em vários registos, especialmente do começo do século XIX, não consegui, ainda, documentar-me para poder afirmar, de forma categórica, onde começaram, em que data, e como se expandiram.
    Pastéis de nata são referidos no livro “Doçaria Conventual do Alentejo”, de Alfredo Saramago, com receita do Convento de Santa Catarina de Sena, em Évora, e que são feitos com massa folha e um recheio apenas constituído por natas frescas, açúcar e gemas de ovo. Do mesmo autor, e no livro “Doçaria Conventual do Norte”, voltam a aparecer pastéis de nata, com receita idêntica à anterior, no Mosteiro de Arouca.
    No livro “A Tradição Conventual na Doçaria de Lisboa”, de Carlos Consiglieri e Marília Abel, é feita uma listagem de conventos femininos de Lisboa 1833, nos quais supostamente se produziria doçaria. A receita depois apresentada não é identificada com nenhum convento. Esta receita apresenta uma parte para a massa folhada, que leva açúcar e canela, e o modo de confeção parece estranho pois junta todos os ingredientes e não aplica a manteiga em fases de laminação da massa. Depois o creme feito com gemas de ovo, açúcar, natas, leite, um pouco de farinha de trigo, sal e pau de canela.
    Ainda nos escritos de doçaria conventual, no livro “Doçaria dos Conventos de Portugal”, de Alfredo Saramago e Manuel Fialho, são apresentados dois pastéis de nata: um do Convento de Arouca e outro do Convento de Santa Clara de Évora. Em relação ao primeiro é sugerido que a massa folhada fosse muito fina. O creme do recheio é muito semelhante, nos dois casos, e usa apenas os três ingredientes fundamentais: açúcar, natas e gemas de ovo.
    No Brasil surge entre 1874 e 1888, um livro anónimo intitulado “Cozinheiro Nacional” e cuja autoria tem vindo a ser atribuída a Paulo Salles. É um livro extraordinário que faz uma compilação de receituário, modo de servir, composição de ementas, e com um grande sentido de modernidade para a época. Este livro veio “colocar nas prateleiras” as sucessivas edições de Domingos Rodrigues, e tem um receituário mais elaborado, possivelmente recolhido após a permanência da Família Real no Brasil. Pois aqui aparece o famoso pastel de nata com a receita que fará a segunda do parágrafo seguinte e incluída no dicionário.
    Em 1892 publica-se, ainda no Brasil, um valiosíssimo livro intitulado “Dicionário do Doceiro Brasileiro”, do Dr António José de Sousa Rego, e que felizmente o SENAC São Paulo re-editou, em 2010, com um trabalho de organização e um estudo sobre o açúcar, e a doçaria, de Raul Lody. Curiosamente nesta publicação além-mar surgem três receitas de pastéis de nata. A primeira é um pouco confusa e parece uma massa para fazer bolinhos e usa farinha de arroz. Quanto à segunda e terceira receitas, são semelhantes. Na segunda, apenas refere a massa folhada, e o recheio com gemas, açúcar, natas e raspa de limão. Polvilham-se, depois de cozidos, com canela e açúcar em pó. Na terceira tem a curiosidade de fazer massa folhada com farinha, duas gemas de ovo e uma clara, banha de porco e sal. Quanto ao recheio é confecionado com leite guardado de um dia para o outro para lhe extrair as natas, açúcar em calda, uma colher de manteiga… “até chegar ao ponto de ovos-moles”, tendo possivelmente esquecido as gemas.
    Carlos Bento da Maia, no seu livro “Tratado Completo de Cozinha e Copa”, de 1904, apresenta uma receita de “Pastéis de Nata”, cujo recheio é constituído por natas, açúcar e gemas de ovo. Sugere que “é clássico polvilhar a superfície do recheio destes pastéis, primeiro com açúcar muito fino, depois, com canela em pó.” Nada acrescenta sobre a sua origem.
    Emanuel Ribeiro, no seu livro “O Doce Nunca Amargou…”, de 1923, na listagem de doces aparecem os “Pastéis de Nata” com a seguinte transcrição: “Massa de farinha, em forma de pequenina tigela, cozido no forno, contendo um creme.” E não acrescenta a receita.
    Mais tarde, em 1936, é publicada a obra póstuma de António M. de Oliveira Bello, Olleboma, “Culinária Portuguesa”, que apresenta uma receita de pastéis de nata com uma particularidade interessante: dois recheios para servir os pastéis quentes ou frios, sendo que ambos são feitos com massa folhada.
    João Ribeiro (1905-1988), o famoso chefe do Hotel Avis, também fixou o creme recheio dos pastéis de nata, no seu livro manuscrito, espécie de ajuda de memória. Este creme tinha leite, farinha, calda de açúcar e gemas de ovo. Sem natas.
    Maria de Lourdes Modesto, no seu obrigatório livro “Cozinha Tradicional Portuguesa”, de 1982, apresenta os pastéis de nata no capítulo da Estremadura, e para o recheio: natas, gemas de ovo, açúcar, farinha, açúcar e casca de limão. Acrescenta: “Estes pastéis, que são talvez a mais importante especialidade portuguesa comercializada, podem ser servidos polvilhados com canela, e açúcar em pó.” E eu concordo completamente com esta afirmação.
    Muito importante é o “Livro de Receitas da Última Freira de Odivelas”, publicado em 1999. Este livro é publicado com base num caderno de receitas detido pela última freira. A receita dos pastéis de nata apresenta um creme com natas, gemas de ovo, açúcar, água de flor de laranjeira e canela. No final refere: “…põe-se em forminhas”, “e nas forminhas vai ao forno”. Ora, este creme não tendo farinha, nem outros componentes que o façam adquirir uma forma sólida, sou de parecer que as “forminhas” poderão ser de massa folhada ou outra, a exemplo de outras receitas que encontrei em cadernos onde não são dados todos os detalhes da receita e os cadernos apenas fixavam quantidades dos ingredientes e algumas formas de executar.
    Poucos anos depois, 2001, em edição da Comissão Instaladora do Município de Odivelas, publica o livro “Doçaria Conventual” com base em receitas do espólio do Mosteiro de D. Dinis, das Bernardas do Convento de Odivelas que após a extinção das ordens religiosas, em 1834, terão começado a vender mais doçaria para o exterior a fim de angariar meios para subsistência do convento. Também aqui aparece uma receita de pastéis de nata. A massa não é folha e parece meia areada. O recheio é obtido com açúcar, natas, gemas de ovo, água e canela. Apesar da semelhança com a receita anterior nem todos os detalhes estão ajustados.
    Mais uma referência sobre pastéis de nata, encontrei no livro “Sabores, Cheiros e Comeres Regionais de Mafra”, da autoria de Manuel J. Gandara. A propósito do convento existente no edifício também residência Real, escreve a propósito que “Sempre que a Comunidade de Mafra comia pastéis de nata consumia: natas – 300; ovos 61 dúzias; açúcar – 56 arráteis.” É importante a nota em que afirma que no convento dedicado a “Santo António, junto à vila de Mafra, parece ter sido dos raros mosteiros a segui-lhes o exemplo, contando com uma cozinha expressamente destinada à sua confeção, denominada Pastelaria.” E a estranheza é devido a ser um convento masculino pois a tradição doceira era reservada aos femininos. Portanto hã uma tradição de confecionar pastéis de nata anterior a 1834, possivelmente por abastecerem a Casa Real durante as usas estadas.
    Bem, apresentei as constatações escritas sobre o pastel de natas. Continuo sem conseguir elaborar a sua árvore genealógica apesar de encontrar vários parentes. Arrisco, no entanto, a pensar que uns dos seus antepassados sejam os “Pastéis de leite”, receita número XXV do caderno de receitas da Infanta Dona Maria, muito embora a massa exterior dos pastéis ainda não seja folhada.
    Para terminar, e sobretudo ao prazer de comer pastéis de nata, vou citar Eduardo Prado Coelho que tem num texto encantador sobre esta maravilha portuguesa no livro “Nacional e Transmissível”. Curiosamente começa com a receita que não leva natas e leva miolo de pão e “canela dá uma sensação de conforto.” E sobre o prazer de o degustar: “Eu gosto que os pastéis fiquem bem dourados. Estaladiços, claro. A opção final é pôr canela e polvilhar com açúcar. Um pequeno requinte.” E continua, “o folhado estala entre os dedos, e sentes na sobreposição dos ingredientes a duplicidade infinita de matéria do mundo.” Mas ainda com o seu ar irónico escreve que “A literatura também se pode comer, e os poetas não se alimentam só de alpista.” Eduardo Prado Coelho, no seu estilo de prosa quase poética sintetiza o fundamental do pastel e os sentimentos ao degustá-lo. Grande elogio ao modo de ser português ou ter recebido as suas heranças.
    Há dois anos que tenho a honra e o prazer de presidir ao júri do Concurso dos Pastéis de Nata de Lisboa. Tarefa de execução rápida e que obriga a grande concentração. Mas primeiro observamos o seu aspeto. O olhar é o primeiro sentimento. Depois os dedos tocam a massa exterior e sente-se o estaladiço da massa folhada. É o primeiro reflexo para o gosto. Depois uma ligeira trincadela para perceber na boca a massa. E agora a dentada mais avançada para o creme… e depois apetece mais. Mas no concurso temos que ser prudentes. Ainda temos mais uma dúzia para provar e classificar.
    Viva o Pastel de Nata. E agora aprenda a casá-lo com vinho generoso. Vá tentando até encontrar o certo para o seu paladar. Ou então continue com o pastel de nata a acompanhar o café.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    Setembro 2011

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    MensagemAssunto: SAUDADE   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeQui Dez 22, 2011 12:32 am

    Crónicas
    de Virgílio Gomes
    SAUDADE

    Encontrei há uns anos, numa universidade de Roma, um texto extraordinário que associava o conceito de saudade da terra natal dos portugueses ao bacalhau. Li com entusiasmo todo o texto e logo, naquele momento, refleti sobre as lembranças alimentares que me fariam ter saudades da minha terra transmontana. O termo saudade é tão difícil de definir que apenas os poetas são capazes de o fazer. Não vou por isso entrar pelo caminho difícil de começar a definir saudade.
    As saudades, como emoções que são, relacionadas com a comida estão mais associadas às pessoas com quem se partilhou a refeição, ou petisco, ou ao momento especial, do que propriamente à comida. Claro que a iguaria estaria sempre acima do que chamaríamos uma prestação correta. As refeições aconteciam em ambiente convivial e quase tertuliano durante as quais o ritual, o respeito, e a sequência verbal eram marcantes. E muitas vezes durante as refeições se moldavam caminhos e se fazia aprendizado de vida. Qual é a emoção que a comida pode provocar quando a recebemos à porta de casa, depois de uma encomenda telefónica, e igual em qualquer parte do mundo?
    A mesa era local de educação, atualização de informações e de muita aprendizagem até sobre o que comíamos. Mas a mesma comida provocava, naturalmente, efeitos diferentes. Não esqueço os resmungos de meus irmãos quando eu chegava e pedia um bacalhau guisado com batatas. E porque tinha eu saudades daquele prato? Esta receita sabia-me a liberdade. Era o relembrar de infância das minhas férias mais divertidas e diferentes passadas na aldeia de Montesinho. Onde tinha a permissão de comer no campo com os segadores, recusando o possível bom bife de casa, com aquela comida simples e noutro espaço. Ora foi esse espaço e essas circunstâncias que me marcaram. Não foi, pois, o guisado mas o ambiente e as pessoas com quem eu comia. Eu continuo a gostar muito de bacalhau! O mesmo bacalhau que na pluma de José Lins do Rego parece entediar os trabalhadores da fazenda Santarém onde “ninguém come – dizia uma -, é bacalhau no almoço e no jantar.”
    O exemplo de saudade relacionada com a comida também se encontra em aventuras de crianças. Nenhumas “súplicas” tinham o sabor das da dona Catarina dos Batoques. Porquê? Pelo passeio autorizado de ir a sua casa comprá-las, em grupo com irmãos e primos. Mas aquelas “súplicas” marcaram o gosto de tal forma que todas as outras são definidas em comparação com estas. Mas quando, e porque sentimos saudades? Quando precisamos de um aconchego, de mais conforto. E esse aconchego, com coisas que sabemos nos tranquilizam, sabe melhor. Mas quando sentimos a saudade, e tentamos o aconchego com comida, não chega comermos sós. E sem nos darmos conta disso, habituados que estávamos a comer em partilha, quer dizer em ato convivial, se comemos sós, por muito gostosa que esteja a iguaria, acabamos por sentir a falta de um carinho, de um abraço. A comida apenas nos diminui o sofrimento, e a saudade mantém-se. Fica-se com a saudade desconsolada.
    Mas há confeções culinárias que não se esquecem e vou permitir-me citar apenas algumas daquelas, que mesmo ingeridas pelos quatro cantos do mundo, me remetem sempre para as minhas “transmontanices”. Dos simples ovos estrelados com açúcar a fazer de sobremesa, ao guisado de ossos, ao butelo com cascas, à carne guisada com macarrão, passando pelo congro de várias formas, e às minhas sempre citadas repolgas (pleurotos, o nome comercial). Este é o produto que mais se mantém no meu imaginário. Porque aprendi a vê-las crescer com a dedicação do meu Avô Nogueiro, às suas explicações, e ao obrigatório jantar de arroz de repolgas com leitãozinho assado, que tinha o privilégio de comer em refeição a sós com o meu Avô, sempre que regressava de férias. A saudade mais constante é a do pão. Pão de mistura e da saudosa “bola de chicha gorda”. E do presunto cortado em pedaços, com canivete, nas adegas para provar o vinho novo. Só fica na memória aquele gosto, pelo local e pelas pessoas. Não terá a mesma memória, o mesmo presunto, apresentado em travessa acética em prazer individual.
    Como costumo dizer frequentemente, tive a sorte de ser educado na província. E educado com mitos e rituais alimentares. De bons produtos e boas confeções. Com as couves a saberem a couves. Recentemente o famoso autor americano Michael Pollan escreveu contra a globalização alimentar baseada em produtos alimentares em vez de alimentos, e cito: “Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida”. E não tenho vergonha de sentir saudades do que gosto de comer. Vou pouco a Trás-os-Montes mas tenho a sorte de virem muitos transmontanices até mim.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    Texto incluído no livro “Trás-os-Montes e Alto Douro – Mosaico de Ciência e Cultura”, editado por Comissão de Festas de Nossa Senhora das Graças 2011 de Lagoaça, e Exoterra L.da, com coordenação de Armando Palavras. Trata-se de uma coletânea de autores transmontanos.
    Nem de propósito. A foto que ilustra esta crónica de saudades, foi produzida num jantar em Fortaleza, Brasil, durante o qual foi servido Bolo-Rei e o meu amigo Jorge Chaskelman pediu para eu falar um pouco da tradição deste bolo. Lá veio a conversa da perca de tradições, a saudade da “fava” e do “brinde”. Pois o Bolo-Rei que nos foi servido trazia “fava” e “brinde” que saiu a mim. Parecia de propósito. Desembrulhada foi identificada como a Pomba do Espírito Santo que rapidamente se transformou na Pomba da Paz!

    (Em colaboração com o sit do autor)
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    lino mendes
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    MensagemAssunto: O PORCO   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeDom Mar 11, 2012 9:52 pm




    VG

    Até parece que este ano o inverno não vai terminar. E com as mudanças mais evidentes das estações do ano, tão diferentes de como estávamos habituados, íamos adivinhando o que se iria comer em cada período. Atualmente, essa expectativa, ou esse prazer, desapareceu.
    Agora até o clima parece ter aderido à globalização! Isto de comer morangos em janeiro e alheiras em agosto ainda não vai nos meus hábitos. Assim como comer caça fora da época pelas razões que já citei em textos anteriores. Ou ingenuamente vamos acreditando nos milagres, como o de Sta Isabel, de rosas em janeiro!
    Deixemos as lamentações. Várias vezes me perguntam como definir a cozinha portuguesa. Prefiro descrever as cozinhas regionais que, isso sim, o seu conjunto constitui o património culinário português.
    Mas voltando ao inverno e às tentativas de definir as regiões e os seus tempos, lembrei-me de que a nossa Terra faz o maior dos elogios a um produto, que transforma e utiliza na sua totalidade, cujos derivados vão sendo comidos ao longo de todo o ano. Refiro-me ao bem-aventurado, infelicíssimo, PORCO.
    Banido por algumas religiões, chegando a constituir arma da Inquisição para levantar autos de fé a quem se recusava comê-lo, é glorificado no receituário transmontano.
    A matança do porco, caseiro e bem alimentado com produtos da natureza e restos de comida (vianda), era verdadeiramente uma festa de família à qual se juntavam os amigos e vizinhos. Lembro-me de, com os meus irmãos, convencer os meus Pais a fazerem a matança em dia de escola, pois esta empreitada era matéria de justificação da falta. E, se calhar, naquele tempo aprendíamos mais..., mesmo faltando à escola.
    A festa era completa, e as mulheres da casa tinham afazeres para uma semana.
    Começava o arraial por acorrentar do porco com cordas sobre um banco corrido, de madeira tosca, depois um especialista dava-lhe o golpe de misericórdia, e um alguidar esperava com braço forte, feminino, e um pouco de vinagre para não talhar, o sangue que seria depois destinado a sopas e enchidos.
    As tarefas da matança começavam um ano antes com a escolha dos porcos para a engorda. O seu êxito estava garantido graças a uma especial alimentação constituída por castanhas, batatas, nabos, abóboras e as “viandas” ou “biandas”, engrossadas com farinha, geralmente de cevada, farelos e lentilhas. A “vianda” era uma espécie de caldo feito com água, batatas, nabos, beterrabas, couves e outros produtos, que se levavam ao lume para cozerem, ou ainda os restos da alimentação humana.
    Marcava-se o dia da matança conforme as conveniências de pessoas que ajudavam, ou em dia de celebrações especiais como os dias de devoção dos Santos de eleição das famílias. Nunca se marcava a matança em período de Lua em quarto minguante, para evitar que a carne minguasse ao ser cozinhada.
    De véspera havia tarefas preparatórias como o demolhar do bacalhau e a arrumação em tabuleiros das nozes e dos figos para o mata-bicho. Como em minha casa se faziam os “chouriços de verde” no próprio dia da matança, era necessário deixar já as tripas lavadas e atadas. Cortava-se também o pão e partiam-se as amêndoas para estes enchidos. Antigamente preparava-se também um cesto de verga que era bem forrado com panos de linho, para receber as tripas e evitar que se rasgassem. Hoje usam-se alguidares de plástico.
    “Chega o dia da matança. Começam a juntar-se as pessoas. Toma-se o mata-bicho. Em nossa casa era bacalhau assado na brasa, nozes, figos secos, pão e vinho, e aguardente para quem a quisesse. As crianças, e quem gostasse, tomava o pequeno-almoço normal de leite, café, chocolate quente, torradas ou pão com manteiga e marmelada.” Estas citações fazem parte de um memorando manuscrito que a minha Mãe me enviou.
    Começava depois a faina. Agarrar o porco e amarrá-lo já deitado no banco. Como num ritual, munido de uma faca especial, aproxima-se o “matador” e vinha a seguir a mulher que recolhia o sangue para um alguidar com sal e vinagre, e para onde tinham sido picadas algumas cebolas, e que também se munira de uma tigela grande para onde jorrava o primeiro sangue, que se deixava coagular e se destinava às “sopas de sarrabulho”. Junto ao banco em que o animal acabara de ser sacrificado gera-se uma brincadeira: a mulher que aparava o sangue tentava enfarruscar com ele a cara do “matador”, ao que este replicava, pelo que originava uma pequena e amistosa batalha. A criançada brinca à volta do banco, outros, mais sensíveis, correm para dentro de casa a tapar os ouvidos na esperança de não ouvir os guinchos do porco.
    Consumado a ato, a morte acontecida, chamusca-se o porco sobre uma cama de palha no chão e mantendo o ritual de cada um pegar num molho de palha e chamuscar também algumas partes do porco, garantindo que não se provocam queimaduras. Assenta-se de novo o porco no banco, lava-se e esfrega-se com pedras pouco ásperas, e os homens mais habilidosos “fazem-lhe a barba” com navalhas bem afiadas sem deixar cortes. “É ponto de honra ficar o porco bem chamuscado e bem lavado.”Estes rituais estão em vias de extinção. Penso que fomos educados a ritualizar o consumo de carne de porco. Era uma constante, e nas zonas rurais uma forma de subsistência. Portanto o consumo de carne de porco fez parte da minha educação do gosto.
    Tenho vindo a assistir que no Brasil, a carne de suíno, tem vindo a aumentar a proposta gastronómica em restaurantes, a dar novo estatuto a esta nobre carne. E esse movimento provoca o aparecimento de um receituário exaltante, apresentando pratos verdadeiramente novos, e surpreendentes. Viva o Porco! E não esqueçam que acompanhado por um bom vinho, saberá ainda melhor.
    Continua em próxima crónica.
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    Foto de © António Bóia
    Texto já publicado no meu livro “Transmontanices”, e também na revista BÔ, agora com nova revisão.
    (Em colaboração como Sit
    do Autor)
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    lino mendes
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    MensagemAssunto: CALDEIRADA   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeDom Mar 11, 2012 11:18 pm

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    Encontra-se na página de: ENTRADA CRÓNICAS CALDEIRADAS
    Caldeiradas VG
    Quarta, 07 Março 2012 09:30

    Caldeiradas são uma forma de expressão culinária da costa portuguesa. Mas não só. Vamos descobrir outras caldeiradas muito embora este termo designe maioritariamente as preparações de peixe do mar. Por isso, emblema da nossa costa. O princípio, ou a primeira caldeirada, deve ter sido de uma simplicidade quase acidental. Quem partia à pesca também precisava comer, e por vezes os alimentos trazidos de casa não seriam o ideal, estariam frios e reaquecê-los faria diminuir-lhes a qualidade. Portanto nada melhor, até para economia doméstica, que utilizar o produto da pesca cuja frescura não poderia ser mais interessante. E aqui levanta-se a questão da variedade do pescado. Por certo os peixes que entravam na confeção seriam os de todas as variedades que não fossem as categorias destinadas à venda. E por aqui começará o primeiro conceito de caldeirada. Depois a adição de legumes que transpirassem e fornecessem água à cozedura. Claro que uma gordura também é necessária. O resto é a imaginação individual a funcionar e a disponibilidade de produtos de temperos. Mas, atenção, sempre tiveram o cuidado de não perturbar a textura, e paladar dos peixes. E a batata? Agora é muito vulgar as caldeiradas terem batatas. Mas elas só são produzidas e divulgadas a partir de meados do século XIX! Como fariam antigamente? E o tomate, hoje imprescindível? A sua chegada também é tardia apesar de aparecer antes da batata.
    Comecemos pelo nome. Caldeirada porque era feita numa caldeira, que depois também se chamou tacho ou panela. Mas, descobri uma curiosidade em Vila do Conde, um imposto chamado de “Nabo” ou “Caldeirada” criado pelas freiras do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, para aumentar os seus rendimentos, e com aprovação das autoridades da Igreja. Anterior a 1741, há referência da tristeza que os “pobres pescadores continuaram pagando”, voltando a recorrer às Cortes de 1820, e sem resposta satisfatória, dirigem-se novamente, os pescadores, em requerimento ao Rei. Esta situação está bem descrita no livro “As Últimas Freiras” de T. Lino da Assumpção e editado em 1894. Por despacho régio de 16 de junho de 1823, os pescadores ficaram bem contentes pela anulação daquele imposto pois “aquela prestação se não compreendia…”. Aquele imposto era pago diretamente em espécie à chegada dos barcos e com pouca razoabilidade, pois os pescadores queixavam-se que por vezes ficavam sem peixe para levar para casa.
    Quando comecei a escrever esta crónica pensava em percorrer o receituário nacional identificando todas as receitas de caldeiradas portuguesas. Depois percebi que ficaria um texto de grande dimensão pelo que alerto, desde já, que apenas irei escrever sobre as caldeiradas de peixes, deixando “outras caldeiradas” para uma crónica futura. Mas por isso, e desde já, deixo a minha estranheza pela expressão popular de “caldeirada” significando confusão ou imbróglio. Pela mistura de vários peixes? Parece, pela expressão, que fariam guerra dentro do tacho lutando cada um pelo seu sabor. Não, não é verdade. Eles complementam-se!
    Existem dois grandes grupos de caldeiradas: as confecionadas com todos os produtos a cru, e as confecionadas começando com ligeiro refogado. De pois ainda se devem considerar as que levam batatas e as que se preparam sem este tubérculo. Como referi anteriormente, as caldeiradas são emblema culinário da costa portuguesa. Temos boas caldeiradas de Viana do Castelo, passando pela Póvoa de Varzim e Espinho, e fazemos a primeira paragem em Aveiro para uma caldeirada especial, de enguias. Esta caldeirada prepara-se colocando camadas de enguias (previamente bem limpas e cortadas aos pedaços), de batatas e de cebolas. Estas camadas são regadas com azeite e adicionadas de alho, louro, salsa, gengibre e ou açafrão da Índia, pimenta em pó e sal. Por cima cortam-se fatias fininhas de unto e rega-se o conjunto com um pouco de água. Leva-se ao lume, com tampa, Depois de cozer, retiram-se as fatias de unto que se esmagam com sal grosso, um pouco de vinagre e adiciona-se caldo da caldeirada. A este preparado chama-se geralmente de “moira” que depois se coloca sobre a caldeirada antes de servir. Da calda faz-se uma sopa adicionando pão torrado e umas folhas de hortelã. Bem próximo de Aveiro, na Murtosa, também se faz uma caldeirada de enguias. O que a difere da de Aveiro é o facto de a sopa ser feita com pão de milho e de trigo, migados. Também, a caldeirada, depois de pronta é regada com “moira” mas ao qual se juntou um picante, molho de pimenta ou de piripíri.
    Continuando para sul, paramos na Figueira da Foz para petiscar uma Caldeirada de Petinga. Prepara-se fazendo um refogado ligeiro de azeite com cebolas, junta-se tomate, salsa e louro. Depois de apurar junta-se um pouco de água, e colocam-se as petingas (sardinhas pequenas), tempera-se com sal e pimenta e deixa-se cozer. Terminada a cozedura, e depois de esfarelar broa de milho para terrina de levar à mesa, coloca-se a caldeirada. Mas na Figueira ainda se fazem outras caldeiradas de vários peixes.
    Agora fazemos paragem no Ribatejo, atravessado pela grandeza do rio Tejo. Nesta região encontramos a famosa Caldeirada à Fragateiro. Para esta caldeirada usam-se especialmente peixes de rio como a fataça, tainha, enguia, cação e também tamboril e safio. Podem-se usar outros peixes que venham da pescaria. Num tacho colocam-se camadas de cebolas, tomate, e alho às rodelas. Sobre estes produtos dispõem-se os peixes cortados às postas ou em pedaços, e ainda a salsa e o louro. Rega-se tudo generosamente com azeite e tempera-se com sal. Leva-se o tacho a lume brando. Entretanto cortaram-se fatias de pão caseiro, já com dois dias, e colocam-se em prato fundo. Sobre este pão despeja-se a caldeirada. Pode também cortar-se o pão para pratos individuais. Da mesma região, e de Almeirim, encontramos também, de peixes do rio, uma Caldeirada à Pescador, ligeiramente diferente. Colocam-se num tacho cebolas, tomate, alho, louro, salsa e azeite. Sobre esta base, colocam-se em camadas alternadas de peixe (enguia, fataça, saboga, tainha…) e de batatas e depois tempera-se com sal e pimenta. Há quem junte um pouco de água. Depois leva-se a cozer em lume brando. À parte preparam-se pratos ou tigelas individuais onde se colocaram fatias de pão que se molham com o molho da caldeirada e depois se coloca o peixe por cima. Esta caldeirada também se pode fazer sem batata e, naturalmente ficará mais caldosa. Neste caso aproveita-se o caldo e faz-se uma sopa juntando massinhas, habitualmente cotovelinhos.
    De regresso ao mar, estamos na Nazaré para uma “Caldeirada à Moda da Nazaré”, também chamada de “à Fragateira”. Este termo, no feminino ou no masculino, é por vezes utilizado indistintamente, o que lança alguma confusão a sua denominação. Uma vez, num restaurante de praia quando perguntei a diferença responderam-me que tanto faz, o que é importante é que a caldeirada estivesse boa. E estava! Vamos então ao modo de confecionar. Refoga-se ligeiramente cebolas e alho com azeite e banha de porco. Junta-se tomate, louro, pimento verde às tiras e um ramo de salsa. Sobre o refogado colocam-se primeiro lulas. De seguida camadas alternadas de peixe (safio, cantaril, raia, enguia…) e de batata. Polvilham-se com um pouco de colorau e malagueta cortada fininha. Finalmente colocam-se sardinha e rega-se o conjunto com vinho branco. Coloca-se o tampo do tacho e leva-se a cozer em lume médio. Serve-se no próprio tacho de confeção. Mas nesta região fazem-se muitas e boas caldeiradas. Não podemos esquecer as de Peniche, e eu tive a sorte de o meu amigo Diamantino me ensinar como é que se fazem por lá as boas caldeiradas. Por estas paragens encontramos também uma curiosa “Caldeirada de Sardinha”. Num tacho fundo, colocam-se em camadas alternadas cebolas, tomate, batata e alho. Cada camada é temperada com colorau e sal e pimenta. Com cuidado coloca-se também um ramo de salsa e louro, atados para depois retirar com facilidade. Finalmente colocam-se as sardinhas que depois de limpas foram passadas por sal grosso. Rega-se tudo com azeite em abundância. Coze em lume brando. A propósito de sardinha cito desde já a “Caldeirada à Setubalense”. E esta é bem reveladora do encanto das nossas caldeiradas. Cada região usa os peixes da sua costa. A maravilha da diversidade com pratos únicos. Para esta caldeirada, começa-se por colocar rodelas de cebola, depois batatas aos quartos, pimentos às tiras e tomate em pedaços pequenos. Rega-se com azeite e colocam-se cravinhos da Índia e pimenta em quantidade leve. Leva-se ao lume e deixa-se até as batatas ficarem quase cozidas. Colocam-se agora os peixes (xarrocos, eiroses, lulas, robalos, salmonetes, tamboril,…) e finalmente encerra com uma camada única de sardinhas, e tempera-se com sal. Deixa-se ao lume até os peixes estarem cozidos. Com o caldo sobrante, acrescenta-se um pouco de água e leva-se ao lume até ferver. Nesta altura junta-se massa que geralmente é de cotovelos. Retificam-se os temperos e serve-se como sopa, depois da caldeirada. Se o caldo tiver pedaços de batata, geralmente, esmagam-se com um garfo.
    Indo já muito extenso este texto, vou apenas escrever sobre a “Caldeira do Algarve”, e deixarei para próximo texto outras caldeiradas. Não há uma só mas várias caldeiradas no Algarve. Irei tipificar com um exemplo da nossa autoridade culinária que é a minha amiga Maria de Lourdes Modesto. Para a sua caldeirada precisa-se de um bivalve: amêijoas, ou conquilhas ou berbigões que se colocam no fundo do tacho e garantem que o cozinhado não se pegue ao fundo. Depois de regra com azeite colocam-se os peixes obrigatórios como pata-roxa, rascasso e safio, e ainda os facultativos como corvina, peixe-aranha, raia, tamboril, tremelga, ruivo e xarroco, que se colocam em camadas alternadas com cebola, tomate, batata às rodelas, pimentos às tirinhas e alhos picados. Embebeda-se com vinho branco e coloca-se a salsa e o louro, e ainda pimenta. Vai ao lume brando por cerca de meia hora. E deixa a recomendação: “os peixes mais rijos por baixo e os mais leves por cima.”
    Ficam a faltar muitas outras caldeiradas de peixes e outras confeções que se assemelham. Como prometido anteriormente, esta aventura das caldeiradas continuará proximamente. Até lá aproveitem a confecionar ou experimentar nos restaurantes. Ah, e não se esqueçam que a caldeirada saberá melhor acompanhada por vinho da sua eleição. Quer dizer, aquele que lhe saiba melhor!
    Bom Apetite!
    © Virgílio Nogueiro Gomes
    Foto © Maurício Abreu
    Jan2012
    atualizado em Quarta, 07 Março 2012 18:00
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    linomendes




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    MensagemAssunto: PÃO DE LÓ   CRÓNICAS DE VIRGÍLIO GOMES Icon_minitimeQua Abr 11, 2012 8:08 pm


    (Pão-de-ló de M
    irandela)
    Photobucket

    Este bolo, bem português, é daqueles que merecem que se lhe escreva a rota pois encontramo-lo por todo o país, com mais incidência no norte. Será seguramente uma doce viagem, percorrendo Portugal à procura dos seus pães-de-ló. É tão específico em algumas localidades, que até ganharam a sua designação de origem, como também é um bolo partilhado em receitas de família pois, sempre que havia festa, a sua presença era obrigatória. Não consegui descobrir a sua origem. No entanto, a primeira receita que lhe dá a designação de pão-de-ló é no caderno de receitas da Infanta D. Maria (1538 – 1577), e é apenas uma confeção de um ponto de açúcar com amêndoas. No livro Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, 1680, é novamente um preparado de amêndoas, e continua estranhamente sem ovos e sem farinha. É um doce de amêndoas, partidas em duas formas distintas, e aglomeradas num ponto de açúcar que, de depois de esfriar, se corta à faca e se serve diretamente. Esta receita também é encontrada no livro de receitas da última freira do Mosteiro de Odivelas. Depois encontrei a receita seguinte no Cozinheiro Moderno ou a Nova Arte de Cozinha, de Lucas Rigaud, 1780, a que chama de Pão-de-ló ou Bolo de Sabóia. Ora a receita que ele dá é muito mais semelhante a alguns pães-de-ló do que ao bolo de Sabóia. Segundo Lucas Rigaud, juntam-se vinte gemas com, metade do peso dos vinte ovos, de açúcar e batem-se muito bem. Seguidamente juntam-se as vinte claras batidas em castelo e só depois se junta metade do peso, do açúcar, de farinha. Quando bate as gemas com o açúcar, junta-se também raspa da casca de um limão e flor de laranjeira de conserva. Sugere servir simples ou também com uma cobertura feita com açúcar fino, clara de ovo e sumo de limão. Ora esta cobertura vai dar-nos uma pista para outros bolos derivados do pão-de-ló, com veremos mais à frente. Este Bolo de Sabóia vem mostrar-se muito semelhante a um bolo muito usado como base para depois ser coberto, ensopado ou recheado que é “Genoise”.
    A receita de Lucas Rigaud deverá ter dado origem ao pão-de-ló de hoje, com as variedades que vou tentar inventariar, embora com a certeza que a lista não ficará completa. Encontrei várias estórias, e muitos locais reivindicando o seu nascimento. Mas, além de ser um doce popular, também encontramos conventos onde se confecionava, e possivelmente foi a partir dos conventos que surgem receitas mais delicadas. Genericamente, podemos afirmar que é um bolo fofo confecionado com poucos ingredientes: ovos, açúcar e farinha. A proporção entre eles, a forma de os misturar, e sobretudo a forma e o tempo como são batidos, é que vem criar a diversidade de pão-de-ló que hoje ainda podemos encontrar. Inquestionável é o sentido fofo que todas as regiões lhe atribuem. O mais diferenciado parece ser o do Alentejo ao qual juntam amêndoa ralada. É, no entanto, no Brasil que vamos encontrar a maior variedade de pão-de-ló registado em livros de receitas. Como exemplo encontramos no Dicionário do Doceiro Brasileiro, do Dr António Jose de Souza Rego, 1892, vinte e oito receitas sendo que algumas introduzem produtos locais como aipim, araruta, cará e milho. Frequentemente adicionam também sumo ou raspa de limão. Como também encontramos no livro À Mesa com Gilberto Freyre, uma receita de Pão-de-ló de Maria. Esta receita poderá ter sido obtida nas várias viagens que fez a Portugal, ou de uma Maria que lhes forneceu a receita. Surpreendentemente esta receita é muito semelhante, exceção para as claras de ovo, à receita que Isabel Gomes Mota publicou no livro Trás-os-Montes à Mesa. O curioso é que Gilberto Freyre esteve no norte a convite do Pai de Isabel, Almirante Sarmento Rodrigues e, quem sabe, numa dessas viagens recolheu a receita. Mas não foi só para o Brasil que exportámos o pão-de-ló. Continua a ser uma presença obrigatória no Japão o pão-de-ló que os jesuítas lá ensinaram e que adquiriu o nome de "Castella".
    Como já referi anteriormente a variedade de pão-de-ló é devida à composição dos produtos da receita, à forma de os misturar, o tempo de gestos de batedura e ainda a temperatura de cozimento. Em relação aos produtos comecemos pelos ovos. As quantidades de gemas e claras variam substancialmente. E quanto à utilização dos ovos também temos as duas versões: ou os ovos completos diretamente batidos com o açúcar, ou as gemas batidas com o açúcar e, depois, a adição das claras batidas em castelo. Depois vem a variante da quantidade de farinha. Habitualmente a farinha é metade da quantidade de açúcar, ou ainda menos de metade. Exemplo em que a quantidade de açúcar é igual à de farinha é o Pão-de-ló, também conhecido por Pão leve da Beira Baixa. Outro exemplo é o pão-de-ló, de feiras ou romarias, de carater mais popular, em que por vezes a quantidade de farinha é superior à de açúcar. Muitas vezes este pão-de-ló, menos fofo e mais pesado, era colocado em cima de uma garrafa de Vinho do Porto, ou de um licor local e servia para leilão, ou quermesse, para angariação de fundos para a romaria.
    Vejamos agora, em viagem rápida, uma pequena descrição dos pães-de-ló mais conhecidos. No Minho encontramos a maior variedade. Mas como Pão-de-ló Minhoto temos um bolo fofo feito a partir de mais gemas do que claras, tudo bem batido com açúcar e a casca de um limão, cerca de uma hora em movimentos a ritmo regular com bateiras e depois farinha peneirada que é adicionada com ajuda das duas mãos. Estes detalhes dos gestos são ricamente ilustrados no filme “Os Gestos dos Sabores”, executado pela Associação As Idades dos Sabores. Encontramos ainda o Pão-de-ló de Margaride, possivelmente o de maior expansão comercial, cozido em alguidar duplo de barro e revestido de papel. A mesma quantidade de gemas e claras e batidas em conjunto com o açúcar e depois adicionada a farinha em cerca de metade da quantidade do açúcar. Ainda no Minho temos um exemplo diferenciado que é o Pão-de-ló de Vizela que também é chamado de Bolinhol, cujo elemento mais evidente é a sua forma retangular e ter uma cobertura de calda de açúcar, que depois de arrefecer fica branca. Os ovos são batidos em conjunto com o açúcar e depois lentamente se junta a farinha peneirada. Interessantes são as informações que Isabel Maria Fernandes relata no livro Doçaria de Guimarães sobre o pão-de-ló daquela localidade confirmando a sua confeção desde o século XVII. Continuando no norte, temos o Pão-de-ló de Freitas, zona de Amarante, que na sua confeção utiliza dois tipos de farinha. Depois de bater as gemas com o açúcar, batem-se as claras em castelo e adicionam-se ao creme anterior. Depois junta-se delicadamente fécula de batata, farinha de arroz e fermento em pó, sendo que o peso é igual para o açúcar, a fécula de batata e a farinha de arroz. Coze em formas redondas barradas com manteiga. De Vila Nova de Famalicão, surgem-nos duas receitas incluídas no livro de Receitas da casa do mosteiro de Landim, que bate mais gemas do que claras com o açúcar durante pelo menos uma hora e depois junta-se a farinha. Vai cozer no forno em tachos de barro forrados com papel. De Trás-os-Montes, pela mão de Isabel Gomes Mota, surge o único pão-de-ló que começa por bater as claras em castelo, depois adiciona-se o açúcar e umas gotas de sumo de limão, agora as gemas e depois a farinha. Coze em alguidar de barro forrado com papel untado e depois tapa-se com um testo de panela. Nessa região aparecem ainda outros doces idênticos como o Pão-de-ló de Mirandela, mas cozido diretamente em forma redonda. Descendo até ao Douro, deparamo-nos com um doce da família do pão-de-ló: as famosas Cavacas de Resende. Confecionadas com grande quantidade de ovos que se batem, em maior quantidade de gemas do que claras, diretamente com o açúcar por cerca de uma hora. Junta-se depois a farinha peneirada que se mistura sem bater. Vai a cozer em formas, tabuleiros, retangulares polvilhados com farinha de milho. Depois de cozido corta-se em fatias a que se chama cavacas. Faz-se uma calda de açúcar onde se “molham” as cavacas e na parte superior, com ajuda de farinha de trigo, fica uma camada que arrefecida, embranquece. Conta-se que se deve esta receita ao contratempo de um casamento adiado e, estando já confecionados tabuleiros com o bolo decidiram ensopá-los em calda de açúcar para conservação e resultou neste prodigioso doce. De grande fama e prestígio goza o Pão-de-ló de Ovar. Com referências na tradição popular desde o século XVIII, confeciona-se batendo os ovos, com maioria de gemas, e o açúcar até obter um creme leve e claro. Depois junta-se a farinha tendo o cuidado de a peneirar duas vezes. Vai a cozer em formas redondas e também barradas com papel. Temos ainda o Pão-de-ló de Arouca, possivelmente oriundo do Mosteiro de Arouca, também embalado às fatias e com cobertura de açúcar, e cuja receita está na mesma família desde 1840. Surpreendente é o Pão-de-ló de Alfeizerão, possivelmente uma receita acidental do século XIX. Consta que por erros de tempo de cozedura uma freira terá antecipado a saída do forno e ter ficado cremoso que faz as delícias dos seus apreciadores. Pode ser que a sua origem esteja no Convento de Cós, próximo da Alcobaça. Curioso é o Pão-de-ló de Figueiró dos Vinhos, com referências ao atual desde 1893, cuja diferença mais visível é a forma em que é cozido. Depois temos ainda o Pão-de-lóSaloio ou de casamentos, da Estremadura, o Pão Leve como é conhecido o pão-de-ló da Beira Baixa, e ainda o Pão-de-ló de Alpiarça no Ribatejo. Não fica aqui a lista total de pães-de-ló de Portugal. Prometo que tratarei, em crónicas posteriores, de forma individual, alguns destes referidos nesta crónica. E se começar a ficar seco o pão-de-ló poderá sempre fazer as melhores torradas doces e cobrir com geleia, ou ainda aproveitar e fazer Sopa Dourada.
    Não esqueça que há excelentes generosos portugueses ideais para acompanhar e brindar à

    Este bolo, bem português, é daqueles que merecem que se lhe escreva a rota pois encontramo-lo por todo o país, com mais incidência no norte. Será seguramente uma doce viagem, percorrendo Portugal à procura dos seus pães-de-ló. É tão específico em algumas localidades, que até ganharam a sua designação de origem, como também é um bolo partilhado em receitas de família pois, sempre que havia festa, a sua presença era obrigatória. Não consegui descobrir a sua origem. No entanto, a primeira receita que lhe dá a designação de pão-de-ló é no caderno de receitas da Infanta D. Maria (1538 – 1577), e é apenas uma confeção de um ponto de açúcar com amêndoas. No livro Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, 1680, é novamente um preparado de amêndoas, e continua estranhamente sem ovos e sem farinha. É um doce de amêndoas, partidas em duas formas distintas, e aglomeradas num ponto de açúcar que, de depois de esfriar, se corta à faca e se serve diretamente. Esta receita também é encontrada no livro de receitas da última freira do Mosteiro de Odivelas. Depois encontrei a receita seguinte no Cozinheiro Moderno ou a Nova Arte de Cozinha, de Lucas Rigaud, 1780, a que chama de Pão-de-ló ou Bolo de Sabóia. Ora a receita que ele dá é muito mais semelhante a alguns pães-de-ló do que ao bolo de Sabóia. Segundo Lucas Rigaud, juntam-se vinte gemas com, metade do peso dos vinte ovos, de açúcar e batem-se muito bem. Seguidamente juntam-se as vinte claras batidas em castelo e só depois se junta metade do peso, do açúcar, de farinha. Quando bate as gemas com o açúcar, junta-se também raspa da casca de um limão e flor de laranjeira de conserva. Sugere servir simples ou também com uma cobertura feita com açúcar fino, clara de ovo e sumo de limão. Ora esta cobertura vai dar-nos uma pista para outros bolos derivados do pão-de-ló, com veremos mais à frente. Este Bolo de Sabóia vem mostrar-se muito semelhante a um bolo muito usado como base para depois ser coberto, ensopado ou recheado que é “Genoise”.
    A receita de Lucas Rigaud deverá ter dado origem ao pão-de-ló de hoje, com as variedades que vou tentar inventariar, embora com a certeza que a lista não ficará completa. Encontrei várias estórias, e muitos locais reivindicando o seu nascimento. Mas, além de ser um doce popular, também encontramos conventos onde se confecionava, e possivelmente foi a partir dos conventos que surgem receitas mais delicadas. Genericamente, podemos afirmar que é um bolo fofo confecionado com poucos ingredientes: ovos, açúcar e farinha. A proporção entre eles, a forma de os misturar, e sobretudo a forma e o tempo como são batidos, é que vem criar a diversidade de pão-de-ló que hoje ainda podemos encontrar. Inquestionável é o sentido fofo que todas as regiões lhe atribuem. O mais diferenciado parece ser o do Alentejo ao qual juntam amêndoa ralada. É, no entanto, no Brasil que vamos encontrar a maior variedade de pão-de-ló registado em livros de receitas. Como exemplo encontramos no Dicionário do Doceiro Brasileiro, do Dr António Jose de Souza Rego, 1892, vinte e oito receitas sendo que algumas introduzem produtos locais como aipim, araruta, cará e milho. Frequentemente adicionam também sumo ou raspa de limão. Como também encontramos no livro À Mesa com Gilberto Freyre, uma receita de Pão-de-ló de Maria. Esta receita poderá ter sido obtida nas várias viagens que fez a Portugal, ou de uma Maria que lhes forneceu a receita. Surpreendentemente esta receita é muito semelhante, exceção para as claras de ovo, à receita que Isabel Gomes Mota publicou no livro Trás-os-Montes à Mesa. O curioso é que Gilberto Freyre esteve no norte a convite do Pai de Isabel, Almirante Sarmento Rodrigues e, quem sabe, numa dessas viagens recolheu a receita. Mas não foi só para o Brasil que exportámos o pão-de-ló. Continua a ser uma presença obrigatória no Japão o pão-de-ló que os jesuítas lá ensinaram e que adquiriu o nome de "Castella".
    Como já referi anteriormente a variedade de pão-de-ló é devida à composição dos produtos da receita, à forma de os misturar, o tempo de gestos de batedura e ainda a temperatura de cozimento. Em relação aos produtos comecemos pelos ovos. As quantidades de gemas e claras variam substancialmente. E quanto à utilização dos ovos também temos as duas versões: ou os ovos completos diretamente batidos com o açúcar, ou as gemas batidas com o açúcar e, depois, a adição das claras batidas em castelo. Depois vem a variante da quantidade de farinha. Habitualmente a farinha é metade da quantidade de açúcar, ou ainda menos de metade. Exemplo em que a quantidade de açúcar é igual à de farinha é o Pão-de-ló, também conhecido por Pão leve da Beira Baixa. Outro exemplo é o pão-de-ló, de feiras ou romarias, de carater mais popular, em que por vezes a quantidade de farinha é superior à de açúcar. Muitas vezes este pão-de-ló, menos fofo e mais pesado, era colocado em cima de uma garrafa de Vinho do Porto, ou de um licor local e servia para leilão, ou quermesse, para angariação de fundos para a romaria.
    Vejamos agora, em viagem rápida, uma pequena descrição dos pães-de-ló mais conhecidos. No Minho encontramos a maior variedade. Mas como Pão-de-ló Minhoto temos um bolo fofo feito a partir de mais gemas do que claras, tudo bem batido com açúcar e a casca de um limão, cerca de uma hora em movimentos a ritmo regular com bateiras e depois farinha peneirada que é adicionada com ajuda das duas mãos. Estes detalhes dos gestos são ricamente ilustrados no filme “Os Gestos dos Sabores”, executado pela Associação As Idades dos Sabores. Encontramos ainda o Pão-de-ló de Margaride, possivelmente o de maior expansão comercial, cozido em alguidar duplo de barro e revestido de papel. A mesma quantidade de gemas e claras e batidas em conjunto com o açúcar e depois adicionada a farinha em cerca de metade da quantidade do açúcar. Ainda no Minho temos um exemplo diferenciado que é o Pão-de-ló de Vizela que também é chamado de Bolinhol, cujo elemento mais evidente é a sua forma retangular e ter uma cobertura de calda de açúcar, que depois de arrefecer fica branca. Os ovos são batidos em conjunto com o açúcar e depois lentamente se junta a farinha peneirada. Interessantes são as informações que Isabel Maria Fernandes relata no livro Doçaria de Guimarães sobre o pão-de-ló daquela localidade confirmando a sua confeção desde o século XVII. Continuando no norte, temos o Pão-de-ló de Freitas, zona de Amarante, que na sua confeção utiliza dois tipos de farinha. Depois de bater as gemas com o açúcar, batem-se as claras em castelo e adicionam-se ao creme anterior. Depois junta-se delicadamente fécula de batata, farinha de arroz e fermento em pó, sendo que o peso é igual para o açúcar, a fécula de batata e a farinha de arroz. Coze em formas redondas barradas com manteiga. De Vila Nova de Famalicão, surgem-nos duas receitas incluídas no livro de Receitas da casa do mosteiro de Landim, que bate mais gemas do que claras com o açúcar durante pelo menos uma hora e depois junta-se a farinha. Vai cozer no forno em tachos de barro forrados com papel. De Trás-os-Montes, pela mão de Isabel Gomes Mota, surge o único pão-de-ló que começa por bater as claras em castelo, depois adiciona-se o açúcar e umas gotas de sumo de limão, agora as gemas e depois a farinha. Coze em alguidar de barro forrado com papel untado e depois tapa-se com um testo de panela. Nessa região aparecem ainda outros doces idênticos como o Pão-de-ló de Mirandela, mas cozido diretamente em forma redonda. Descendo até ao Douro, deparamo-nos com um doce da família do pão-de-ló: as famosas Cavacas de Resende. Confecionadas com grande quantidade de ovos que se batem, em maior quantidade de gemas do que claras, diretamente com o açúcar por cerca de uma hora. Junta-se depois a farinha peneirada que se mistura sem bater. Vai a cozer em formas, tabuleiros, retangulares polvilhados com farinha de milho. Depois de cozido corta-se em fatias a que se chama cavacas. Faz-se uma calda de açúcar onde se “molham” as cavacas e na parte superior, com ajuda de farinha de trigo, fica uma camada que arrefecida, embranquece. Conta-se que se deve esta receita ao contratempo de um casamento adiado e, estando já confecionados tabuleiros com o bolo decidiram ensopá-los em calda de açúcar para conservação e resultou neste prodigioso doce. De grande fama e prestígio goza o Pão-de-ló de Ovar. Com referências na tradição popular desde o século XVIII, confeciona-se batendo os ovos, com maioria de gemas, e o açúcar até obter um creme leve e claro. Depois junta-se a farinha tendo o cuidado de a peneirar duas vezes. Vai a cozer em formas redondas e também barradas com papel. Temos ainda o Pão-de-ló de Arouca, possivelmente oriundo do Mosteiro de Arouca, também embalado às fatias e com cobertura de açúcar, e cuja receita está na mesma família desde 1840. Surpreendente é o Pão-de-ló de Alfeizerão, possivelmente uma receita acidental do século XIX. Consta que por erros de tempo de cozedura uma freira terá antecipado a saída do forno e ter ficado cremoso que faz as delícias dos seus apreciadores. Pode ser que a sua origem esteja no Convento de Cós, próximo da Alcobaça. Curioso é o Pão-de-ló de Figueiró dos Vinhos, com referências ao atual desde 1893, cuja diferença mais visível é a forma em que é cozido. Depois temos ainda o Pão-de-lóSaloio ou de casamentos, da Estremadura, o Pão Leve como é conhecido o pão-de-ló da Beira Baixa, e ainda o Pão-de-ló de Alpiarça no Ribatejo. Não fica aqui a lista total de pães-de-ló de Portugal. Prometo que tratarei, em crónicas posteriores, de forma individual, alguns destes referidos nesta crónica. E se começar a ficar seco o pão-de-ló poderá sempre fazer as melhores torradas doces e cobrir com geleia, ou ainda aproveitar e fazer Sopa Dourada.
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