Proscénio
A Casa de Bernarda Alba
A população de Montargil voltou a ter contacto directo com teatro profissional, numa acção de descentralização que é sem dúvida marcante na promoção cultural das nossas gentes. E foi no cenário natural de um espaço (frente à Capela de Sebastião) que não obstante os atropelos que vem sofrendo continua a ser uma das nossas salas de visita, que aconteceu um hino ao mesmo.
Numeroso público, a maioria certamente desconhecendo Lorca, mas que soube estar durante cerca de duas horas, durante as quais Maria João Luís, dispondo de um elenco de (muito) boa qualidade, nos contou à sua maneira, a história da Bernarda Alba uma mulher que não sabia pedir mas apenas impor.
Não sabia Lorca quando escreveu esta peça, finalizada 60 dias antes de ser executado pelos nacionalistas espanhóis em 19 de Agosto de 1936— como passados tantos anos ela nos mostra alguns laivos do nosso quotidiano.É, ao que julgamos, uma escrita marcada, então, pela contestação ao franquismo, que questiona o fundamentalismo, mostrando ainda que “ a opressão pode levar à desgraça”, que um poder autoritário, intolerante e que esmaga o outro na sua individualidade e diferença gera inevitavelmente a revolta e a luta pela liberdade”.Já na leitura que faço da peça não vejo, como há quem afirme, a defesa daquilo que eu considero liberdade sexual.
Houve momentos muito fortes nesta representação, mas seria injusto evidenciar seja quem for, porque em meu entender, no entender de um simples espectador que gosta de teatro, todo o elenco esteve com muita qualidade. Adriana Moniz, Ana Brandão, Cremilde Gil, Custódia Gallego, Diana Costa e Silva, Inês Castel-Branco, Joana de Carvalho, Maria João Falcão e Maria João Pinho “desenharam” com a “arte” necessária aqs “personagens” respectivas. O mesmo em relação à Lígia Braz e à Sandra Lopes a quem quero dizer que continuarei a acompanhar com muito interesse esta sua nova “experiência de vida “em que estão como peixe na água.”
A Direcção de Produção é da responsabilidade de Isabel Dias Martins.
Já em Junho de 2005, recordam-no os escritos da altura, a peça também apresentada em dança pelo Lisboa Ballet Contemporâneo, tinha sido representada por um elenco de luxo, encabeçado por Maria do Céu Guerra e de que também fazia parte a actriz Custódia Galego que agora nos presenteou com uma fabulosa Bernarda.
Retratando de certo modo, através do simbolismo, uma Espanha em tempo de guerra civil, há quem diga que Garcia Lorca (executado aos 38 anos, pois era mais perigoso com a caneta que outros com a pistola) se teria inspirado numa família que conhecera, nascendo assim a ideia centrada numa “casa sem homens”,
Uma síntese da história:
Após o regresso do funeral do segundo marido , Bernarda Alba impõe um luto de oito anos, durante os quais as suas cinco filhas não poderiam sair de entre aquelas paredes, sob a sua vigilância implacável e austera. Homens não faziam falta nesta casa ouviu-se a certa altura. Ela não quer que as suas filhas mantenham qualquer relacionamento com os homens, o que se deve ao facto do que se conta em relação a um homem do povoado”cujas desilusões que causou às mulheres são aludidas como sinal do terror que é a convivência com os homens”
Sabe-se, entretanto que a irmã mais nova é amante de um jovem da povoação, com quem se encontra às escondidas, o qual no entanto se prepara para pedir em casamento a irmã mais velha, dado que por ser filha do primeiro marido de Bernarda é a única que possui dote.
Reina o descontentamento e impera o medo, o ciúme, a inveja,..
E chega ao fim aquilo que poderemos considerar o primeiro parágrafo.
O espaço imediato está centrado nos preparativos do enxoval da filha mais velha, período propício a confidências, que provocam ciúmes e revolta. Entretanto a história vai criando consistência através das conversas entre a Bernarda e a criada mais antiga.
E o último parágrafo da peça, se assim me permitem considerar, centra-se essencialmente na morte da filha mais nova, que se suicida pensando que o seu amado tinha sido morto pela mãe. E se mais não quisermos ou conseguirmos “ver, já é importante interiorizar no que resulta o fundamentalismo, a opressão e a mentira.
Diz Maria João Luís ( in FITEI):
“ A dureza dos modos e o desencanto da alma de Bernarda, sentido com escárnio pela empregada de toda a vida, reproduz-se no final, que a própria aconchegou no ninho da morte, inevitável.”
LINO MENDES
“Bernarda não quer que haja memória do delito cruel do qual é culpada. O castigo da matriarca é não ter perdão nesta morte trágica que estilhaça a frágil imagem da humanidade, representada no enforcamento da sua filha mais nova.”