Relembrando o CARDOSO no dia do seu falecimento, aqui deixamos uma “conversa que com ele tivemos há cerca de três anos. ________________________________________
À " CONVERSA"
com o MANUEL CARDOSO
Nasceu em 10/08/913 e, porque, como me disse, estava sempre em todas, tornou-se uma figura conhecida da terra.
Mas conversemos um pouco com ele.
O senhor Cardoso nasceu na vila, e foi na vila que andou à Escola ?
Foi, a escola era lá em cima ao pé da Igreja, e os professores eram o Banha e a D. Raquel. Depois veio o Vieira mas já não foi no meu tempo.
Que brincadeiras é que tinham na altura ?
O que fazíamos mais era jogar à bola, de trapos e de pata descalça. Jogavam os das Afonsas aqui com os cá de cima. Eu vivia aqui em cima. Mas jogava-se também à inteira e ao pião.
Depois na sua juventude que sociedades (colectividades) é que cá havia ?
Era a Séde e era o Grémio. A Séde era daqueles que usavam gravata, e o Grémio era mais dos de pata descalça.
Qual foi o seu primeiro trabalho ?
Dava serventia ao meu pai, e depois fui aprender o ofício de carpinteiro com o mestre Babau. Foi na altura que fui também para músico.
Na Banda ?
Sim na Banda, tocava trompete; Concertina comecei a tocar mais tarde. Foi na tropa, em Santa Margarida, O Chico de Vale Barrocas tinha lá um harmónio de duas carreiras que eu depois comprei e passei a levar para a tropa.
Nessa altura ainda não tocava acordeão ?
Ainda não, ainda comprei outros harmónios, um além para os lados de Santa Margarida e outro em Cabeção.
Tocava em bailes ?
Tocava, e também tocava com os rapazes que iam às "sortes". E ia tocar a diversos lados-Mora, Coruche, Casa Branca, eu sei lá. Era então já com um acordeão de três carreiras, cromático.
Aqui na terra, onde se realizavam os bailes ?
No Sociedade, e faziam-se também no campo, fazia-se aqui no Outeiro, na "Soalheira"( que é ali, naquele largo onde a Rua D. Dinis se encontra com a Rua do Outeiro).E também tocava "realejo".Como gostava muito de bailar, tocava e bailava com as raparigas ao mesmo tempo.
E que "modas" se tocavam na altura ?
Era o "vira", era o "verdi-gaio" e era as "saias" que se cantavam muito.
E quais eram os instrumentos musicais ?
Era o "realejo" e aquele "harmónio" pequeno, que concertinas de duas escalas havia só duas ou três.
E quando não havia instrumentos…
Cantava-se e bailava-se. Depois veio o Pinta Santos com as danças e éramos todos das danças.
É verdade, eram as danças de Carnaval…
Era, era, fazíamos aquelas rodas a enrolar as fitas no "mastro". Era uma coisa bonita, havia um rapaz que tocava, ali de baixo, do Carvalhoso, da família do electricista, do Hermenegildo. E fazia-se uma espécie de teatro, só com homens, alguns vestidos de mulher.
As mulheres não se misturavam...
Naquele tempo não se podiam misturar, coitadas, se se dava um beijo a alguma já ninguém a queria…
Foi desportista. Jogou futebol e correu de bicicleta ?
Futebol, jogávamos e bem. O campo da bola era na Tojeirinha. Lá em baixo onde está a Barragem. Despegávamos aqui do trabalho, e lá íamos a correr, para o campo.
Mais tarde, o campo passou para o Pintadinho ?
Mas isso foi mais tarde. Ainda ali jogámos, e até o Benfica cá veio.
Recorda-se de alguns jogadores desse tempo ?
Era o Pailó, o Paposseco,o Manuel Batalha, o Aníbal Car-neiro, o Brazagal…
E em bicicleta
Tínhamos aqui sete ou oito corredores que só me viam à partida, nunca mais chegavam ao pé de mim, nunca mais me apanhavam.
Nesse tempo, as bicicletas eram pesadas.
A minha pesava doze quilos e tal. O Manel Batista é que tinha uma já com mudanças…
Faziam-se aqui muitas corridas ?
Faziam-se, mas aqui os meus amigos não prestavam para nada. Era o Pailó, o Joaquim da Vizinha, o Ildefonso Jaconete, o Aníbal Carneiro, e o Delgadinho que ganhava sempre o bacalhau (para o último).Vinham era também aqui um ou dois corredores de Cabeção para se juntarem comigo já que eu corria satisfatório.
Quais os jogos tradi-cionais, para homens, que aqui se jogavam ?
O Chinquilho jogava-se aqui muito, mas o que eu jogava era o "belho". Jogava-se nas tabernas mas jogava-se aos rebuçados. Jogávamos à do Zé Madeira, ali onde é hoje a loja do Caçurras; era também lá que se vendiam os estreletes e outras coisas para o Carnaval. Jogávamos lá muito ao "belho".
Nas tabernas não entravam mulheres…
Nessa altura não deixavam ir as raparigas para ao pé dos rapazes.
Era na altura do "Mercado da Praça".
Era, e quando ali se fazia também a "praça da jorna". Aos domingos juntava-se tudo aqui na vila, juntava-se toda a gente até às tantas da noite. Depois no outro dia de manhã, mesmo que já tivessem patrão ainda iam ali para a Farinha Branca à procura de trabalho, porque se houvesse alguém que pagasse mais era para aí que iam.
Festa do Senhor das Almas.
Era uma grande festa, da comissão eram o Aníbal Gomes, o António e o João Couves…
Bailava-se lá ? Há quem diga que sim, há quem diga que não, que o terreno era torto…
Bailava-se sim senhor, ao som da Música (da Banda). Eram grandes festas, durante três dias, ao sábado, ao domingo e à segunda-feira.
Esteve no Rancho…
Estive, fui um dos que o fundei, e ainda hoje lá estava se não fosse a doença da minha mulher.
Um outro assunto.Como eram os namoros do seu tempo ?
Oh pá, era muito bom .Eu andava no campo a trabalhar com o meu pai, e todos os dias vinha à vila, eu, o meu irmão João e o Custódio da Nazaré, era a correr de lá até aqui, para vir namorar.
Mas como,não namoravam à vontade…
Qual à vontade, algumas raparigas estavam a servir e nem as senhoras queriam. Ali as Jordoas, a minha mulher trabalhava lá na altura, quando me ouviam tocar aqui em casa diziam logo, ali está o malandro do Cardoso a tocar a corneta.
Mas então, como namoravam?
O namoro era tudo às escondidas, naquele tempo não havia namoros à vontade, os que eram à vontade eram logo para casar. Era tudo de fugida, ainda sabia melhor.
E com as mães ao pé.
Alguns eram, esses que já tinham ordem para namorar, mas outros não, alguns pais não queriam, era só bater nas raparigas, eu ainda para aí arranjei umas tareias, mas foi um tempo bom.
E como eram as festas do casamento ?
Era a boda só da família, com pouca gente mais,,,
Um outro assunto": Quinta-feira da Ascensão."
Íamos além para o pinhal das Lourenças, cantar e dançar, muita gente nesse dia, em que não se trabalhava, ia à espiga, trazíamos o raminho de oliveira, um coisinho de trigo, faziam-se belas festas à quinta-feira da Ascensão, agora é que tudo acabou…
Também fez teatro?
Eu também era do teatro, eu, a minha cunhada Julieta, o Tiérico, o Viterbo é que era o ensaiador. A minha irmã Euterpe também era .Às vezes, quando vínhamos do ensaio, eu a tocar concertina, o meu irmão Zé a tocar requinta e a minha irmã a cantar, ouvia-se por toda a vila.
Mas não era em Santo António que se juntava gente a tocar ?
Íamos às descamisadas que se faziam lá, e às vezes acontecia uma coisa engraçada. Quando alguém começava a fumar, o ti Zé Ribeiro dizia logo, não quero aqui ninguém a fumar que dá cabo do calitro do meu mano Aires, e toda a gente se ria,
Mas conte lá então…
Então, depois quando aparecia a massaroca preta é que era aproveitar, é que era abraços e beijinhos, naquele tempo a gente ficava ao alto.
Mas, beijinhos na cara?
Pudera, onde é que havia de ser?
E foi assim, uma "conversa com o Cardoso”, em que de muita coisa se falou mas de muita ficou também por falar…